O Brasil é o segundo pior país para trabalhadores, de acordo com os critérios estabelecidos por um estudo do Índice Global de Direitos da Confederação Sindical Internacional, divulgado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). O levantamento analisa as aplicações das leis trabalhistas em 148 países ao redor do mundo e os divide em cinco categorias. Como evidência desse cenário, entre 2012 e 2020 o País registrou mais de 6 milhões de notificações de acidentes de trabalho e cerca de 25,4 mil acidentes com morte, segundo o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho.
Antonio Rodrigues de Freitas Júnior, professor da Faculdade de Direito da USP, relaciona o agravamento das condições trabalhistas após a Reforma Legislativa de 2017, na medida em que houve alterações extensas e pouco diálogo para realizá-las. “As mudanças receberam críticas, sobretudo, porque desatenderam uma das recomendações mais relevantes da OIT: qualquer alteração da legislação social interna dos países deve ser precedida de esforços do chamado diálogo social e negociação”, destaca o professor.
Reforma Trabalhista de 2017
A falta de troca de opiniões entre os grupos envolvidos na Reforma Trabalhista gerou um desequilíbrio que, segundo Freitas Júnior, favoreceu a parcela dos empregadores. As críticas vão além das condições em que foi discutida e aprovada e perpassam suas consequências práticas e teóricas também. “Não foi apenas a maneira pela qual foi feita a reforma, mas também o fato de que ela foi extremamente unilateral e regressiva do ponto de vista dos direitos trabalhistas”, afirma.
Grande parte do retrocesso nos direitos dos trabalhadores parte da premissa de autonomia do indivíduo, que orientou as mudanças na legislação e que vai de encontro ao princípio do “poder diretivo” dos empregadores, ou seja, o poder de dar a ordem. Na visão do professor, a reforma, ao tentar transmitir uma ideia de igualdade entre as partes, ignorou o desequilíbrio basilar dos poderes no Direito do Trabalho, que regulava as relações entre empregado e empregador. “Não há como pensar em uma estratégia de regulação futura que desconsidere essa desigualdade essencial na relação de emprego”, destaca.
Preocupações atuais
De acordo com os dados do Conselho Nacional de Justiça, a maior parte das reclamações trabalhistas consiste em horas extras não pagas e falta de indenizações por dispensa, isto é, quando demitidos sem qualquer falta grave. Diante de julgamento dos casos, o professor comenta da competência específica da Justiça do Trabalho em tratar dos temas, que não deveriam ser direcionados à justiça comum, porque toda a estrutura dessa organização não foi pensada para receber reclamações trabalhistas, mas para receber outro tipo de demanda. É nesse contexto que a OAB/SP recentemente assinou a Carta em Defesa da Competência Constitucional da Justiça do Trabalho, por exemplo.
“Há outro lado também criticado, que reconhece que o Brasil caminha na direção da precarização das relações de trabalho”, pontua Freitas Júnior. Como evidência dessa perspectiva, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua mostra cerca de 70 milhões de trabalhadores em situações precárias. Essa condição, segundo o especialista, deve promover políticas públicas, uma vez que implica carência ou ausência de diversas garantias, como a cobertura previdenciária.
Atuação dos sindicatos
O fortalecimento do papel dos sindicatos frente à precarização desse cenário torna-se primordial, tendo em vista que representa um caminho para o diálogo democrático e uma representação dos trabalhadores. Apesar de sua importância, Freitas Júnior chama a atenção para os desafios financeiros enfrentados pelas organizações: “O Sindicato dos Trabalhadores perdeu a sua fonte principal de custeio e tem sido cada vez mais, do ponto de vista financeiro, limitado na sua capacidade de atuação”.
Além da participação dos representantes dos empregados, o professor também ressalta a importância da presença de todos os atores sociais envolvidos, como representantes dos patrões, para a regulação das relações de trabalho. Sem a participação das principais figuras as propostas sempre irão tender em favor de um lado ou de outro, ou haverá uma terceira solução que seja autoritariamente imposta pelo Estado.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira
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