Falta de regulamentação do ecoturismo afeta migração de baleias e golfinhos

Marcos César de Oliveira Santos comenta que poluições sonora e química também impactam no processo migratório desses mamíferos

 Publicado: 18/07/2024
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As principais baleias encontradas na costa brasileira são a jubarte, a minke e a franca-austral, além da baleia-de-bryde – Foto: ArtTower/Pixabay
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O processo de migração vem sendo desenvolvido na história evolutiva de diversas espécies marinhas, podendo variar entre distâncias muito pequenas a muito grandes. Isso depende do porte das espécies, e também pode variar em uma janela temporal de alguns minutos, horas — como as migrações verticais de fitoplânctons e zooplânctons — e até anos. Migrações mais longas ocorrem com animais de maior porte, como aves marinhas, baleias e golfinhos, e é principalmente horizontal, ocorrendo entre polos e trópicos — nesses casos, elas vão suprir duas atribuições principais, a alimentação e a reprodução.

De acordo com Marcos César de Oliveira Santos, professor do Instituto Oceanográfico (IO) da Universidade de São Paulo (USP), as rotas de migração mais conhecidas são de golfinhos e, principalmente, baleias. “Elas evoluíram para se alimentar durante cerca de três a quatro meses nas regiões polares do planeta, onde se concentra bastante alimento, mas elas vão constituindo uma camada de gordura que vai habilitá-las a passar alguns meses sem se alimentar quando elas migram pelas regiões temperadas tropicais e subtropicais. Levam praticamente de um a dois meses para chegar nessas áreas, onde elas vão passar pelo processo de reprodução”, explica.

Com mais estudos sobre migrações de grandes baleias, o especialista comenta que as únicas espécies de golfinhos conhecidas, em termos de rotas migratórias, são a orca, com movimentos da região Antártica até a costa do Uruguai para uma troca de pele — com sua renovação e limpeza em águas mais quentes —, e os cachalotes machos, espécie do famoso livro Moby Dick e que, usando uma área diferente das fêmeas, migram para áreas muito frias para capturar lulas gigantes e colossais.

Marcos César de Oliveira Santos, professor do Instituto Oceanográfico da USP – Foto: Arquivo pessoal

No caso das baleias, o professor conta que muitas espécies migratórias são conhecidas, e as principais encontradas na costa brasileira são a baleia-jubarte — mais comum de ser avistada pela sua abundância e por sua migração pelo Brasil ocorrer dos meses de maio ou junho até novembro, passando do Sul ao Nordeste do País —, a baleia-minke, e a baleia-franca-austral, além da baleia-de-bryde, provavelmente migratória das águas costeiras do Brasil para quebra da plataforma em uma migração longitudinal. Com uma faixa de concentração principalmente do Rio Grande do Sul até o Sul de Santa Catarina, as baleias-francas-austrais, inclusive, já foram comuns também no Sudeste do Brasil, mas seu número de visitas diminuiu drasticamente conforme a região cresceu, muito por conta do grande aumento do número de embarcações e da poluição sonora causada por portos de operação, explica Santos.

Problemas na migração

O professor alerta que, ao chegar na costa brasileira, essas espécies vão encontrar uma série de obstáculos para sobreviver, como o grande número de petrechos de pesca no caminho, nos quais elas podem se enredar, tendo dificuldades para se alimentar ou mesmo se movimentar, o que poderia impedi-las de ir à superfície da água para respirar e matá-las afogadas. Outro problema é a sua passagem por regiões perto da quebra da plataforma continental, em áreas de plataformas de petróleo, gerando a poluição sonora e, possivelmente, até a poluição química, agravada pelo nosso precário tratamento de esgoto.

“Além disso, elas vão encontrar as operações de turismo, então elas vão ter diariamente um importuno, algumas de forma devida, outras de forma indevida. Existe um problema grave não só relacionado com o impacto físico de um possível atropelamento, mas o impacto sonoro, já que as embarcações de turismo produzem sons no meio ambiente que são da mesma frequência dos sons que as baleias usam para se comunicar, diminuindo drasticamente o seu poderio de comunicação”, complementa.

Segundo o especialista, o problema da regulamentação de observação de baleias no Brasil reside na falta de políticas públicas adequadas, já que o País é signatário da Convenção sobre a Conservação das Espécies Migratórias de Animais Silvestres, mas, na prática, detém apenas recomendações geradas por cientistas que não são assumidas pelo seu governo federal como uma meta. Ele entende que o País já deveria ter uma política pública para investir na regulamentação dessas atividades nas águas jurisdicionais brasileiras, alinhando seus problemas em um programa nacional, e a sua falta faz com que muitas práticas do ecoturismo marinho sejam irregulares.

 

Migrações mais longas ocorrem com animais de maior porte, como baleias e golfinhos – Foto: joakant/Pixabay

Falta de conservação

Santos explica que outro problema grave que envolve a migração desses animais é a falta de conservação. Um exemplo mundial foi o pico da caça comercial de baleias que ocorreu no século passado, que quase ocasionou a extinção de algumas espécies devido à lenta recuperação de suas populações, como a baleia-azul e as baleias-francas do Hemisfério Norte. Ele também acrescenta que a sessão da caça no Hemisfério Sul foi decidida, quase por unanimidade, ainda na década de 1960, o que protegeu os seus estoques populacionais a longo prazo, principalmente de espécies com maior tolerância às variações ambientais, como a jubarte.

Contudo, o especialista afirma que o Brasil não apresenta ferramentas para que, coletivamente, se invista na mitigação dos impactos às baleias e golfinhos, já que não possui uma política pública adequada e aplicada à pesquisa e à conservação desses mamíferos em suas águas jurisdicionais. Conforme Santos, o esforço é proveniente de cientistas vinculados a universidades e algumas organizações não governamentais.

“É um esforço muito incipiente, considerando todos os estados banhados pelo oceano e mais duas espécies de golfinhos encontrados na mega Bacia Amazônica. Enquanto o governo federal não tomar uma decisão clara de convocar os cientistas e de colocar no papel uma política pública coletiva voltada à pesquisa e à conservação de baleias e golfinhos na costa brasileira, as iniciativas serão pontuais, muito pouco significativas, e talvez não deem conta de um grande volume de ameaças que colocam as populações de algumas espécies em risco de extinção”, finaliza.

*Estagiário sob a supervisão de Marcia Avanza e Cinderela Caldeira

 


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