Uma pesquisa publicada na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), no ano passado, revelou que o processo de envelhecimento está diretamente ligado à programação fetal, que são as mudanças ocorridas no feto ainda no seu período de desenvolvimento em função do ambiente em que a mãe, enquanto grávida, está inserida.
A partir de análises de amostras de sangue de idosos acima dos 70 anos, as pesquisadoras Lauren L. Schmitz e Valentina Duque descobriram que, especificamente, o período da Grande Depressão dos Estados Unidos teve um impacto na regulação dos processos celulares e moleculares, que ocasionaram uma mudança na função epigenética.
“O epigenoma nada mais é do que sinais que existem no DNA que podem modificar a forma como esse DNA é expresso. Então, através dessas modificações epigenéticas do nosso DNA, ele pode ser ativado ou desligado em determinadas circunstâncias”, explica Gabriela Placoná Diniz, Ph.D. e professora assistente do Departamento de Anatomia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.
Isso significa que, a depender da mudança ocorrida na função epigenética, certas características podem vir a ser expressas de maneira mais evidente. Gabriela esclarece que “o que eles mostraram nesse estudo é que filhos de mães que foram submetidas a condições econômicas daquela época da Grande Depressão americana tinham um aumento de marcadores epigenéticos associados ao envelhecimento acelerado na idade adulta”. Assim, envelhecem mais rápido que outras pessoas.
A situação do ambiente intrauterino acaba provocando uma alteração conhecida nos seres humanos como metilação do DNA. A sequência genética se mantém e o que ocorre é a metilação (adição de um metil) de um nucleotídeo, a citocina. “Essas modificações podem alterar o processo de divisão celular e a transcrição do DNA, levando a alterações de expressão de determinados genes que são responsáveis pela produção de algumas proteínas que são importantes para o funcionamento do organismo, para o processo de envelhecimento, do metabolismo e até prognóstico de possíveis doenças futuras”, explica Joel Rennó, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Programa Saúde Mental da Mulher (ProMulher) do IP-USP.
Normalmente, a programação fetal só pode ser notada já na fase adulta. Não é possível identificar mudanças estruturais no desenvolvimento do feto ainda em gestação, o que em tese impossibilita a tomada de medidas preventivas em relação à saúde do feto.
A Grande Depressão não é o único fator
A exposição a fatores socioeconômicos não é a única responsável pelas alterações epigenéticas de programação fetal. Conforme Rennó, “elas podem acontecer pela exposição intrautero à desnutrição, processos infecciosos e eventos estressores, como, por exemplo, mamães grávidas que de alguma forma foram submetidas às situações como a quebra da Bolsa de Nova York na década de 30, às situações trágicas, ou outros momentos, como o 11 de setembro e o Holocausto”.
A exposição a eventos adversos durante a gravidez também tem mais chance de alterar o tempo de organogênese, que é o processo de formação dos órgãos. Existe, ainda, um período mais sensível de desenvolvimento do feto, o qual, quando exposto a eventos adversos intra e extrauterinos, gera consequências de longa data.
“Essas mudanças podem levar a algumas alterações, sejam elas na esfera clínica, incluindo o processo de senescência mais acelerado ou não, e também até a uma maior vulnerabilidade a quadros psicológicos e psiquiátricos futuros. Mulheres que passam por situações de violência durante a gravidez, de privação socioeconômica, desnutrição, mulheres mais vulneráveis a infecções e outros gatilhos estressores podem, de alguma forma, por esse mecanismo genético, ter crianças que, na fase adulta, sejam mais suscetíveis a quadros psiquiátricos ou mesmo a algumas doenças clínicas”, explica o médico.
Outro aspecto lembrado por Rennó é o da modelagem comportamental, ocorrido no convívio entre pais e filhos. Não está necessariamente associado à genética, mas tem a ver com o fato de crianças presenciarem certos comportamentos de seus pais, como a esquiva fóbica, ansiedade antecipatória ou uma rotina de alto fluxo de atividades e informações que não condizem com a capacidade daquela criança. “Uma mãe deprimida ou uma mãe ansiosa – que tenha determinados comportamentos ou hábitos decorrentes da ansiedade ou da depressão – pode, no vínculo mãe e bebê, influenciar no comportamento e nos hábitos da criança”, exemplifica.
Como podemos contornar essa situação?
As causas da morte encontradas nos idosos – nascidos logo após a época da quebra da Bolsa de Valores de Nova York – que participaram do estudo foram principalmente por desordens metabólicas, ligadas à interrupção do crescimento intrauterino.
Naquela época não havia políticas públicas que minimizassem os impactos dessa recessão econômica para as mães em situação de vulnerabilidade. Não existiam, também, cuidados ou vitaminas pré-natais para as grávidas, ou seja, esses cuidados não foram tomados e todo o estresse foi sentido sem nenhum cuidado pré, durante ou pós-gravidez.
Gabriela Diniz complementa, dizendo que o caminho para evitar esse problema de acontecer novamente, ou desses marcadores intensificarem sua presença, seria “desenvolver políticas que sejam capazes de minimizar as dificuldades financeiras que muitas mães hoje em dia passam e que podem não somente afetar a saúde delas, mas inclusive a saúde dos bebês”.
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