No retorno a suas colunas quinzenais, Marília Fiorillo aborda os protestos ocorridos na Alemanha, no sábado passado (3), quando entre 200 mil e 300 mil pessoas saíram às ruas para se manifestar contra o AFD, Alternative für Deutschland, partido de extrema-direita, racista e xenófobo, que deseja deportar em massa os estrangeiros. “Deportem a AFD”, contra-atacavam alguns cartazes. Segundo a colunista, já são quatro semanas de protestos e o chanceler social-democrata Olaf Scholz parabenizou a inciativa como “um forte sinal a favor da democracia e da Constituição, e contra o esquecimento e o ódio”. A AFD, cujos membros são indisfarçados neonazistas, tornou-se o segundo partido de maior popularidade no país, com cerca de 20% da preferência eleitoral, só atrás do CDU, democratas-cristãos conservadores, que tem 32%.
“A serpente saiu do ovo há muito tempo e envenena várias partes do mundo”, argumenta Marília. “É fundamental não contemporizar, pois a história, lamentavelmente, tem se repetido não como farsa, mas como calamidade. A ilusão de que é possível conter a doença do extremismo supremacista branco, através de acordos e procrastinações, dá no que sempre deu: os amáveis democratas e liberais são exterminados rapidamente pela presteza e truculência dos Ur-fascistas (para usar a definição de Umberto Eco). Essa dinâmica de infiltração insinuante, e mortal, da extrema-direita até em democracias aparentemente sólidas é muito bem descrita no filme Filhos da Dinamarca, produção dinamarquesa de 2019 dirigida pelo então estreante Ulaa Salim, que se valeu de sua experiência como segunda geração de imigrantes (ele nasceu e estudou em Copenhagen) para dar ao filme uma consistência e vividez extraordinárias. O protagonista é um agente muçulmano da inteligência dinamarquesa, infiltrado em grupos terroristas islâmicos para desbaratá-los, enquanto, ao mesmo tempo, observa as crescentes manobras de um candidato de extrema-direita e a escalada dos pogroms supremacistas contra pacatos muçulmanos, numa imaginária Dinamarca distópica e, pior, distraída do perigo real que está à espreita. O filme nada tem de proselitismo, é calmo e compassado, e talvez por isso se torne tão convincente. Moral da história: cuidado com as alianças. Crie corvos e eles te comem os olhos.”
Conflito e Diálogo
A coluna Conflito e Diálogo, com a professora Marília Fiorillo, vai ao ar quinzenalmente sexta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9 ) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.
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