Cerca de 669 escolas públicas nacionais tiveram suas aulas interrompidas em decorrência de casos de violência — como tiroteios, roubos, vandalismos, ameaças, ataques e outros em 2021, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O dado apresenta-se de forma constante no País e especialistas avaliam que iniciar o debate acerca da temática parece ser essencial para a compreensão de suas causas e consequências.
O aumento de ocorrências de ataques violentos contra escolas também tornou-se um assunto marcante nos debates sobre educação e segurança nacional. Em 2022, o Brasil contou com dez casos, e, em 2023, foram registrados sete casos até maio. Vivian Batista da Silva, professora e diretora da Faculdade de Aplicação da Faculdade de Educação (FE) da USP, analisa que a violência nas escolas não é um tema novo no contexto nacional. “As experiências de violência apresentam múltiplas formas. Elas podem acontecer no cotidiano das escolas, nas relações entre os alunos e professores, elas podem ter uma dimensão física com várias gradações e ela também tem dimensões simbólicas”, comenta.
Aumento da violência
Apesar da temática não ser tão recente no debate público, é interessante notar que o avanço desses casos, pelo menos na forma como eles se apresentam atualmente, demonstra, de forma curiosa, uma faceta pela qual o País nunca havia passado. “A gente passa de violências nas escolas para violências contra as escolas”, reflete a especialista. Assim, os ambientes estudantis passaram a receber constantes ameaças e ataques que circulam de uma maneira fluida e poderosa. A professora destaca ainda que mesmo as ameaças que não se concretizam carregam consigo o sentimento de medo para os indivíduos ao quebrar a confiança que as pessoas costumam ter nas escolas como um ambiente de formação e proteção.
O aumento da violência no ambiente escolar — e em outros espaços sociais — apresenta diferentes razões, mas a especialista afirma que, há tempos, a escola vinha sendo alvo de discursos danosos em alguns locais. “Acho que a gente não pode esquecer que vivemos anos com uma política conturbada, com a veiculação de um discurso de ódio que atravessa diferentes instâncias da sociedade”, reflete Vivian.
A reflexão e a compreensão apuradas do cenário em questão, portanto, parecem ser um bom caminho para a iniciação na tomada de determinadas providências para evitar que a escola permaneça com um aumento desses casos. Dessa forma, a especialista explica que impedir a circulação de discursos violentos na sociedade é muito difícil, mas é possível fazer com que os sujeitos sociais aprendam ter uma leitura negativa associada a essas manifestações.
Diferenças
Outro aspecto acerca desse cenário que é abordado pelo Anuário é a diferença entre os índices de violência dos Estados nacionais. O Rio de Janeiro, por exemplo, é a Unidade Federativa (UF) nacional que mais sofreu com aulas interrompidas em decorrência de tiroteios, enquanto o Estado de São Paulo é o que mais sofreu com os casos de ameaças e ataques.
“O discurso da violência é produzido e circula em diferentes espaços, em alguns deles ele tem mais condições de ser forte, de ser lido e de ser absorvido. Isso tem relação com as condições de funcionamento da escola, existem espaços que são mais vulneráveis a violências”, analisa Vivian. Esse aspecto não engloba apenas os aparatos de segurança que as escolas possam ter, mas também apresentam relação com a própria comunidade social em que esses alunos estão inseridos e, por esse motivo, a avaliação de cada caso é relevante para esse debate.
O bullying apresenta-se também como outro tipo de violência extremamente presente nesses ambientes, sendo um dos caminhos utilizados para que a violência nas escolas aconteça. “O bullying acaba instituindo na escola uma cultura de violência. Uma escola que é vulnerável a esse tipo de discurso interno acaba sendo mais vulnerável também a violências externas”, adiciona a especialista. Dessa forma, nota-se que esse tipo de violência torna tanto o agressor quanto os agressores ainda mais vulneráveis a outras espécies de agressão.
Cultura da paz
Veridiana Campos, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, explica que, para o controle do avanço da violência é necessário que uma mudança de cultura seja instaurada no ambiente social. A especialista comenta, dessa forma, que é possível observar um padrão nos perpetuadores de violência contras as escolas — geralmente, são homens com sérios problemas de relacionamento interpessoal e com fácil acesso à internet, que acabam se vinculando às comunidades de violência extrema.
Para além disso, a pesquisadora comenta que, nesse ambiente, a violência é lida como uma espécie de redenção aos aspectos sociais que estariam errados na sociedade. “Esses jovens vão lentamente sendo desengajados socialmente, eles vão desumanizando as suas vítimas e essa violência vai se tornando cada vez mais razoável. Mas eu estou falando de um processo longo, esse tipo de coisa não acontece da noite para o dia”, comenta.
A especialista reforça ainda a necessidade da criação de uma cultura de paz nos ambientes sociais como um todo, uma vez que o contato com ambientes que propagam preconceitos de diferentes ordens — como o racismo, a xenofobia, a gordofobia, a homofobia, entre outros — é marcante em nossa sociedade e parece estar difuso até mesmo nos aparatos culturais.
“A gente precisa educar para o respeito e educar o afeto. Isso não pode ser ensinado em um tempo que sobra da escola, nós precisamos ter ações sistêmicas e perenes do que eu chamo de uma educação socioafetiva”, explica Veridiana. Para ilustrar a necessidade dessa transformação, a pesquisadora analisa que o bullying, por exemplo, é um tipo de violência reincidente, ou seja, o indivíduo que é alvo dessa discriminação pode se tornar um agressor no futuro.
Para a construção de uma educação socioafetiva é necessário, portanto, uma grande gama de investimento que deve ser tanto de tempo como de dinheiro. A pesquisadora explica que isso é necessário, pois para a construção de uma educação socioafetiva é essencial que os educadores tenham uma boa formação, com a participação de uma equipe multidisciplinar. “Esse arcabouço de formações voltadas para a criação de uma forma de perceber o mundo mais amorosa, mais acolhedora, onde o respeito ao próximo seja, de fato, uma qualidade, seja alguma coisa a ser procurada, a ser reproduzida, isso demanda muito tempo”, comenta.
*Estagiária sob supervisão de Paulo Capuzzo
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