A minha fala de hoje é de caráter mais amplo e eu parto de algumas dessas catástrofes climáticas para tentar estabelecer aqui uma reflexão de cunho geral. A gente tem nesta semana esta onda de calor tão forte no Brasil, no País inteiro praticamente, batendo um recorde histórico; ao mesmo tempo, temos as secas na Amazônia, rio Negro, Solimões, boa parte deles secos, uma tragédia ambiental, comunidades ribeirinhas completamente isoladas. E isso falando só do Brasil. A gente sabe o quanto no mundo fenômenos semelhantes têm aparecido e são muito preocupantes.
Isso me faz pensar naquela famosa formulação de Fredric Jameson em que ele diz que o pânico frio que nós sentimos hoje está ligado ao fato de que se, por um lado, cientificamente, a gente consegue imaginar o fim do mundo como alguma coisa palpável, possível e até próxima, historicamente falando, politicamente a gente não consegue imaginar o fim do capitalismo. Quer dizer, esse modo de produção que tomou conta da humanidade há algum séculos se estabeleceu de maneira a parecer que ele é insubstituível, que ele não tem outra solução que não ele próprio, e é ele, com sua lógica predatória de exploração até o limite dos recursos, que está fazendo com que o planeta seja esgotado, o Antropoceno avance e a gente altere todas as lógicas de funcionamento climático sem conseguir fazer nada que mude essa rota.
É claro que esse processo vem de muito tempo, no mínimo desde o início da Revolução Industrial, é uma espécie de pacto fáustico da humanidade com a tecnologia. Mas o que eu queria reforçar como diferença, considerando a minha própria geração – eu sou uma pessoa que tem agora 51 anos -, eu me lembro que na minha infância eu ainda peguei muito daquela paranoia do day after, da bomba atômica, da destruição do mundo pela tragédia nuclear. Então, eu lembro quando saiu o filme do day after, eu era criança, não me deixaram assistir, mas eu ficava imaginando as coisas horríveis que aquilo significaria. Eu me lembro de ir de perua para a escola e tocar muito aquela música Eva, do Rádio Táxi, que fala de um Adão e uma Eva que estão fugindo numa espaçonave de uma terra devastada. E eu sofria em silêncio e sofria muito, pensando no fato de que apenas uma pessoa ou duas no mundo – os presidentes dos Estados Unidos e da União Soviética – tinham arbitrariamente a possibilidade de destruir tudo apertando um botão.
Hoje é muito diferente. Hoje é uma destruição, eu não diria lenta, mas pouco a pouco, e que não tem aquele ambiente catastrófico, trágico, e é muito pior. Eu fico muito preocupado tendo filhos, mas não só por isso, com o clima, com o que os jovens entendem do mundo e podem crescer hoje muito negativos. Um clima de um mundo entregue, um mundo sem esperanças, um mundo de pessoas que destroem a si mesmas e permanecem imóveis nessa posição, sem fazer nada de diferente. As posições desesperadas da Greta Thunberg, por exemplo, são respostas a esse tipo de situação, que envolve uma psique que deve estar sendo estudada, mas que é terrivelmente niilista talvez, porque participa desse clima de imobilismo no qual as estruturas são muito distantes de serem formadas e, ao mesmo tempo, engendram permanentemente o nosso fim.
Espaço em Obra
A coluna Espaço em Obra, com o professor Guilherme Wisnik, vai ao ar quinzenalmente quinta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.
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