Além de infração administrativa, criação da Fundação da Lava Jato pode constituir crime de peculato

Maurício Stegemann Dieter explica que não há divergência sobre o fato da tentativa de criação da Fundação da Lava Jato ter sido um grande erro; o que está em discussão é apenas a gravidade do caso

 24/04/2024 - Publicado há 8 meses
Toda a sociedade brasileira precisa estar muito atenta sobre a destinação de recursos públicos – Fotomontagem com manchetes da Lava Jato – Arte: Ana Júlia Maciel/Jornal da USP
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Em janeiro de 2019, a juíza Gabriela Hardt, entre outros responsáveis, homologou um acordo de compromissos entre o Ministério Público Federal e a Petrobras, na esteira de outros acordos já feitos pela estatal brasileira com órgãos dos Estados Unidos. Após ser submetido à homologação da juíza, houve a criação de um fundo (Fundação da Lava Jato) e a Petrobras se comprometeu a pagar um valor, que poderia ser destinado ao Brasil, correspondente a R$ 2,6 bilhões, equivalente a 80% de multas impostas à estatal por órgãos americanos. Dessa forma, o aval entrou no foco do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) — conselheiros debatem se teria havido infração disciplinar da juíza e outros membros responsáveis — e o caso será retomado em maio.

Criação da Fundação da Lava Jato

De acordo com o professor Maurício Stegemann Dieter, do Departamento de Direito Penal da Faculdade de Direito (FD) da Universidade de São Paulo, a criação desse acordo não deveria ter sido possível. “Não havia nenhuma possibilidade jurídica para que essa fundação fosse criada, especialmente do modo pelo qual ela se tentou constituir, mas não existe previsão para isso, o certo seria que a destinação dos valores fosse toda para a União”, explica. Ele ainda comenta que a destinação de valores oriundos da reparação de valores por instituições ou pessoas que admitem a prática ilícita deve ser decidida pelo Poder Legislativo e, excepcionalmente, pode ser definida por decisões judiciais, mas não com o mais alto grau de sigilo, como ocorreu no caso investigado.

Maurício Stegemann Dieter – Foto: Reprodução/Direito USP

O docente afirma que a gravidade do caso está na apuração de uma hipótese de prática criminal, e não apenas na possibilidade de uma infração disciplinar. “O relatório do ministro Luis Felipe Salomão menciona, em especial, a possibilidade de prática do crime de peculato, que é a apropriação, pelo funcionário público, de dinheiro ou valores, de que tem posse em razão do cargo, no caso, de que tem controle a partir da posição de magistrado ou magistrada, e de desviá-lo em proveito próprio ou alheio. Então, é algo muito mais grave do que a apuração de uma infração disciplinar e a própria ideia da constituição dessa Fundação da Lava Jato seria uma espécie de caixa que o Ministério Público Federal utilizaria para projeção política dos seus atores, no sentido de promover campanhas de combate à corrupção”, complementa.

Dieter explica que, no CNJ, não há divergência sobre o fato da tentativa de criação da Fundação da Lava Jato ter sido um grande erro, e o que está em discussão é apenas a gravidade do caso. Além do relatório do ministro Salomão, que acredita na prática de crime, parte do conselho vê apenas a infração administrativa.

Implicações do caso

Além de Gabriela Hardt, que chegou a ser afastada preventivamente das suas funções, outros nomes, como os do juiz federal Danilo Pereira Júnior e dos desembargadores Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz e Loraci Flores de Lima, também foram responsabilizados pelo caso. No momento, o afastamento preventivo dos juízes foi anulado.

Dieter comenta que existe a possibilidade da legalidade do processo, além de correção das imputações, ser discutida no Supremo Tribunal Federal. A apuração do CNJ em relação a possíveis infrações administrativas está na devolução às autoridades brasileiras, por parte dos órgãos americanos, da multa paga pela Petrobras — parte da infração seria para diminuir a perda de certos acionistas da estatal, enquanto outra parte constituiria a Fundação da Lava Jato.

“Toda a sociedade brasileira precisa estar muito atenta sobre a destinação de recursos públicos. Isso ter tramitado em um processo com o mais alto grau de sigilo já deveria nos fazer pensar por que houve tanta tentativa de não publicizar essa pretensão de utilizar valores. Corrupção, no sentido amplo, é sempre a confusão entre interesses privados e interesses públicos, e eu espero que o CNJ, com serenidade, possa decidir isso muito em breve”, finaliza.


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