A democracia nas urnas e o interesse por pautas universais

A educação muda a forma como o eleitor vê o futuro, argumenta Renato Janine ao fechar sua série de comentários sobre democracia

 22/11/2023 - Publicado há 1 ano
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No último programa falando de democracia, eu tive que parar no meio de um raciocínio que eu continuo agora; a questão que eu estava colocando era, de modo geral, que a democracia funciona quando as pessoas votam de acordo com seus próprios interesses – “interesse”, no caso, tem um sentido essencialmente econômico, toda a sociedade se divide entre pessoas mais pobres e pessoas mais ricas, pessoas mais ricas querem conservar o que têm, a renda, rendimento mensal anual que elas têm e também as propriedades que acumularam, seja porque as adquiriram, seja porque ganharam por herança.

Esse quadro, em geral, leva a que os mais ricos votem mais à direita, para conservar o que têm, e os mais pobres mais à esquerda, para progredirem na vida, melhorarem. Como a riqueza não é algo dado individualmente, quer dizer, não é fruto apenas do seu esforço, mas de um conjunto de políticas públicas, é inteiramente justo que cada um milite para defesa de seu interesse – pode haver políticas públicas que favoreçam os mais ricos e pode haver políticas públicas que favoreçam os mais pobres.

De modo geral, a conquista da saúde pública, que eu mencionei no último programa, é uma conquista progressista e que trouxe ganhos extraordinários para o mundo, aumentando muito a expectativa de vida, as pessoas passaram de uma expectativa de vida de uns 40 anos quando nasceu, em 1900, para perto de 80 hoje em dia. Quem está nascendo hoje tem a chance de viver o dobro do que seu tataravô que nasceu em 1900.

Isso  é fruto de tratamento de água, de campanha de vacinação, de toda uma educação saudável  e de uma rede de atendimento médico que não depende de quanto você pagou. Não é por que você tem plano de saúde que você vai ser atendido e quem não tem plano de saúde não será atendido, o único país em que não existe uma saúde coletiva de qualidade são os Estados Unidos e isso leva a uma situação muito conflituosa naquela nação.

Eu comentei que as pessoas, sobretudo os mais pobres, são desviados de votarem naquilo que seria do seu interesse por uma série de factoides que eu chamei de ideologia, por exemplo,  ideologia de gênero […] o que faltou dizer é o seguinte: cada vez mais, em algumas sociedades desenvolvidas, acontece que essa divisão por dinheiro não é mais o assunto essencial para  distinguir o voto conservador ou progressista. Isso é praticamente visível nos Estados Unidos, que mais uma vez são exceção. Lá, o marcador de diferença começa a ser o ensino superior. Quem tem ensino superior tem mais tendência a votar nos democratas, quem não tem ensino superior, quem tem uma educação apenas básica, mais tendência a votar nos republicanos que, com o passar do tempo, deixaram de ser um partido democrático (não estou falando democrata) e se tornaram uma força de extrema-direita, praticamente um “puxadinho” do ex-presidente Donald Trump.

Então, o que nós temos aí é que a educação passa a ser um fator importante para a definição de pautas democráticas que não são apenas pautas de distribuição de renda, mas começam a ser pautas de valores, então, nós temos uma série de valores que vão emplacando, por exemplo, a defesa do meio ambiente, que atende interesses humanos, mas não especificamente os interesses dos  mais pobres, embora os mais pobres sofram mais com a poluição do que os mais ricos, até pelo tipo de residência que têm. É uma pauta universal; a pauta da liberdade de orientação sexual também é uma pauta universal. Não há  nenhuma regra pela qual os mais pobres têm uma incidência maior de homossexuais do que os mais ricos. Não existe nada disso. O que se vê são pautas universais que estão sendo emplacadas, em grande parte, graças à educação. Isso a gente vê nos Estados Unidos e começa a ver também na Europa.


Ética e Política
A coluna Ética e Política, com o professor Renato Janine Ribeiro, vai ao ar quinzenalmente, quarta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP,  Jornal da USP e TV USP.

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