Em Dia Com o Direito #25: Na guerra um Estado pode justificar o uso da força, mas seus soldados podem ser condenados

Os soldados podem ser julgados, ainda que o recurso à força por parte de seu Estado seja considerado lícito pelo Direito Internacional

 30/11/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 05/12/2022 as 10:30
Em Dia com o Direito - USP
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Em Dia Com o Direito #25: Na guerra um Estado pode justificar o uso da força, mas seus soldados podem ser condenados
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No podcast Em Dia Com o Direito desta semana, o professor de Teoria da Regulação das Relações Internacionais, Caio Gracco, conversa com a acadêmica Sophia Benedetti, ambos da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, sobre Direito internacional e a atual guerra entre Rússia e Ucrânia. 

Segundo Gracco, a definição clássica entende que o Direito internacional regula as relações entre Estados, e a guerra, para o bem ou para o mal, é uma das formas pelas quais os Estados se relacionam no plano internacional. “Eles podem se relacionar pacificamente, nessas relações, podem ter conflitos, discordar a respeito de certas situações e essas discordâncias,  historicamente, são resolvidas ou por  meios pacíficos ou por  meios violentos, que é o que a gente chama de guerra.”

Gracco diz que a guerra, nesse sentido, também é passível de uma regulação do Direito internacional, mas essa regulação se dá em dois níveis: Do ponto de vista da legalidade da própria guerra, ou seja, do recurso à força, e da legalidade da conduta dos combatentes em conflito. 

O pesquisador explica que, no início do Direito internacional moderno, por volta do século 16, havia a ideia de que a guerra, para ser lícita, precisava ser justa, ou seja, precisava ser declarada em resposta a uma prévia violação de direitos. Essa ideia, contudo, acabou caindo em desuso e a partir do final do século 16 e durante os séculos 18 e 19 predominou a ideia de que o recurso à força é um atributo do Estado soberano e, portanto, ele não pode ser limitado pelo Direito. “O Estado é livre para fazer a guerra quando bem entender. Ocorre que, principalmente no século 19, por conta da industrialização e da evolução tecnológica, tem um aumento muito grande dos custos humanos e materiais da guerra e isso leva a um movimento no sentido de proscrever a guerra.”

Assim, diz Gracco, surge em 1945 a Carta da Organização das Nações Unidas (ONU), Artigo 2º, parágrafo 4º, com a proibição da guerra. “Com isso, entendemos no Direito internacional que a guerra só é permitida em duas situações, previstas na carta da ONU: A legítima defesa, ou seja, quando um Estado é atacado tem o direito de usar a força para se defender; e a ação coletiva, coordenada pelo Conselho de Segurança da ONU, quando houver uma violação da paz e da segurança internacional.”  

Se a guerra não é passível de regulação pelo Direito, pois o Estado não pode ser julgado quando recorre à violência, ideia que prevaleceu até o início do século 20, por outro lado a conduta das pessoas que lutam na guerra pode ser objeto de regulação jurídica. “Isso está ligado a um movimento para tentar controlar os custos materiais e humanos que a guerra provoca.”

Nesse cenário, no final do século 19, aparecem as primeiras Convenções de Genebra, que vão sendo progressivamente adaptadas, melhoradas e revisadas, com as Convenções de 1949 e os protocolos de 1977. Nelas ficaram estabelecidos os padrões que permitem julgar a conduta dos combatentes em campo de batalha. “É importante notar que a legalidade da guerra e a legalidade da conduta dos combatentes são absolutamente independentes. É perfeitamente possível que o Estado esteja justificado no uso da força, por estar agindo em legítima defesa, mas que o seus soldados sejam condenados pela prática de crime de guerra.”


EM DIA COM O DIREITO
Produção: Professor Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto
Coprodução e apresentação: Rosemeire Talamone
Edição: Rádio USP Ribeirão Preto
Você pode sintonizar a Rádio USP em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo no celular para Android e iOS.

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