Site disponibiliza produção experimental da Rádio USP dos anos 90

Produzido por estudantes da USP, “Labirinto: Prisioneiros da Imaginação” se inspirava nos jogos de RPG para criar áudio-dramas interativos

 26/09/2024 - Publicado há 2 meses
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Um labirinto.
Programa da Rádio USP inspirado no jogo RPG ficou no ar entre 1994 e 1996 – Foto: Prisioneiro.com

 

No passado remoto, houve um tempo de aventura, ousadia e imaginação que voava pelas ondas do rádio. Uma frequência de histórias épicas, alimentadas pela energia, entusiasmo e destemor da juventude. Um momento de fantasia compartilhado a partir de um estúdio na Cidade Universitária, em São Paulo, com ouvintes que jamais se esqueceram daquelas horas épicas de longínquos sábados e domingos.

Somente um prêambulo mais ou menos desse porte é capaz de fazer justiça ao que foi Labirinto: Prisioneiros da Imaginação. Um programa produzido por estudantes do curso de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e veiculado pela Rádio USP entre 1994 e 1996, que colocava na programação da emissora rádio-dramas inspirados nos Role Playing Games (RPGs). Agora, quase 30 anos depois, um site-tributo está no ar, reunindo grande parte desse conteúdo. Ele pode ser acessado neste link.

Labirinto: Prisioneiros da Imaginação era uma novidade para a época, tanto pelo formato quanto pela inspiração no RPG, jogo que começara a ganhar adeptos no Brasil no início dos anos 1990. No RPG, um grupo de pessoas se reúne para criar e vivenciar juntos uma história. Normalmente, alguém assume o papel de mestre ou narrador, aquele responsável por desenvolver a trama na qual os outros jogadores tomam o papel de protagonistas. Fichas de personagem, dados e miniaturas costumam acompanhar o jogo, cujas histórias envolvem geralmente aventuras de fantasia, ficção científica ou horror.

Os episódios de Labirinto: Prisioneiros da Imaginação buscavam sua inspiração no estilo de contar histórias dos RPGs. Foram mais de 70 programas, veiculados de julho de 1994 até janeiro de 1996, sempre aos sábados e domingos, das 12 às 13 horas, antes de O Samba Pede Passagem, comandado até hoje por Moisés da Rocha. Traziam histórias variadas, que incluíam aventura, fantasia, mistério, ficção científica e reelaborações históricas, nas quais os ouvintes eram convidados a decidir em certos momentos os rumos dos acontecimentos. Era uma espécie de rádio-novela nas quais as ligações telefônicas do público durante os intervalos definiam o destino dos personagens.

O embrião de Labirinto: Prisioneiros da Imaginação está em 1993, numa disciplina de Radiojornalismo do curso de Jornalismo da ECA. Malone – os produtores do programa sempre preferiram usar seus nomes de guerra – decidiu entregar como trabalho à professora Gisela Ortriwano uma rádio-reportagem sobre RPG. Para isso, o estudante chamou alguns amigos e incluiu na edição trechos de uma partida, para ilustrar com funcionava uma sessão de jogo. Gisela viu potencial naquilo e comentou que poderia até se tornar um programa de rádio.

“A rádio-novela era perfeita para mostrar o que era o tal RPG”, escreve a equipe no site do programa. “Nas sessões dos jogos, já usávamos trilhas sonoras para fazer um clima de mistério. Também já representávamos alguns trechos, nas chamadas live-actions – que significa ‘ação ao vivo’. A sigla RPG, afinal de contas, significa ‘jogo de representação’.” Quatro quadros com textos e caricaturas.

Foto: Prisioneiro.com

Certo tempo depois, Arcano9 – um dos amigos de Malone que participaram da reportagem – foi tentar uma vaga de estágio na Rádio USP. Durante a entrevista com a jornalista Lígia Trigo, então diretora da emissora, comentou sobre o projeto feito para a disciplina de Radiojornalismo. A diretora gostou do que ouviu. Arcano9 não conseguiria o emprego, mas Lígia o chamaria para uma conversa, pedindo um piloto do programa. Arcano9, Malone, Haqeen, Hugh d’Morville, Neanderthal e alguns outros amigos se reuniram então. Nascia ali Labirinto: Prisioneiros da Imaginação, feito por jovens em torno de 19 anos, três deles estudantes da ECA, que levavam sua paixão pelo RPG e o entusiasmo pela oportunidade de estar na rádio para os estúdios de gravação.

“Nós queríamos mostrar o que era isso para as outras pessoas”, contam os produtores em um dos textos do site do projeto. “A emoção que tentamos passar no Labirinto é um aspecto da emoção do RPG. E, para passar essa experiência, precisávamos somente de imaginação. Como não inventaram isso antes? Como gastamos o início da juventude sem ter tido contato com essa brincadeira tão simples e colossal?”

O programa ficou no ar por um ano e meio, com mais de 70 episódios produzidos. A equipe se revezava nas funções de direção, roteiro, montagem e gravação de vozes, contando com o apoio dos técnicos da Rádio USP para a edição e gravação nos estúdios. Trabalhavam de maneira voluntária, recebendo uma pequena ajuda de custo. Caprichavam na escolha das trilhas musicais e efeitos sonoros, enfrentando com criatividade os desafios dos primeiros passos em uma rádio de verdade.

Labirinto: Prisioneiros da Imaginação foi transmitido até janeiro de 1996, quando a equipe já estava exausta e novas obrigações foram diminuindo o tempo e a energia disponíveis para o projeto. Ao deixar a Rádio USP, o grupo tentou ainda emplacar formatos similares em emissoras comerciais, na expectativa de transformar o que começou como diversão em profissão, mas nada foi adiante. Era ainda a época pré-digital, quando não existiam gravações feitas no próprio quarto e um estúdio profissional e equipamentos caros eram essenciais para a produção de um programa de rádio. Mas esse não seria o fim da aventura.

Em 2007, um reencontro dos amigos trouxe de voltas as lembranças da empreitada e um site e uma página no Facebook foram criados para disponibilizar os arquivos preservados de Labirinto: Prisioneiros da Imaginação. Na rede social, o grupo então entrou em contato com João Matos, um antigo ouvinte da Rádio USP que era fã do programa e gravou a maior parte dos episódios, possuindo praticamente todos os registros do programa. Esse achado também foi incorporado ao conteúdo que os próprios amigos haviam mantido.

Esse site, contudo, estaria fadado ao desaparecimento, enquanto a página do Facebook seria deixada às moscas. Mais uma vez, porém, a aventura iria continuar. Anos depois, mais um antigo entusiasta do programa apareceria para sacudir as coisas. Era Rafael Rosa, que localizou os produtores de Labirinto: Prisioneiros da Imaginação com a intenção de montar um site-tributo para o projeto, no interesse de preservar sua memória.

É essa página que está atualmente no ar, reunindo áudios remasterizados de quase todos os episódios, comentários, fichas técnicas e entrevista com os produtores. O trabalho para disponibilizar esse conteúdo passou pela inclusão nos arquivos das aberturas e encerramentos originais da série, melhoria do som e edições em graus variados – mínimas para boa parte dos episódios e mais pesadas para aqueles conteúdos incompletos.

O site de Labirinto: Prisioneiros da Imaginação pode ser acessado neste endereço. A página no Facebook do programa também voltou à ativa e pode ser conferida aqui.


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