Vahan Agopyan – Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Sempre que ocorre um acidente ou desastre resultante de uma atividade de engenharia, sinto-me na obrigação de divulgar o que é essa profissão na realidade. Nesses momentos, surgem os autodenominados especialistas, fazendo conjecturas, apresentando diagnósticos e propondo soluções, normalmente simples e erradas.
Depois da tragédia de Brumadinho, aguardei um pouco para não ser interpretado como corporativista nas minhas considerações e nem como se estas fossem para justificar o comportamento dos envolvidos.
O excelente texto de Maria Eugênia Boscov, publicado na Folha de S. Paulo (“Acidentes talvez não fossem evitáveis, mas tragédias, sim”), esta sim especialista respeitada nacional e internacionalmente, no qual explica, de maneira didática, que acidentes podem acontecer, mas desastres não são admitidos, estimulou-me a externar meus comentários. O artigo é irretocável, entretanto quero reforçar um ponto importante: o engenheiro trabalha com incertezas.
Quando se vê o engenheiro empregando modelos físicos complexos e matemática sofisticada, fica a falsa impressão de que a engenharia é uma ciência exata. Os modelos são detalhados e os cálculos, precisos, mas embasados em dados não tão exatos.
A engenharia se relaciona com a natureza, aplicando materiais, métodos e processos reais, todos com variabilidade inerente, que resulta em incerteza do projeto como um todo. O engenheiro é treinado para estimar tais variáveis e tomar decisões com incertezas.
Alguns colegas, inclusive acadêmicos, não atentam a esse fato. A engenharia é posta com as ciências exatas, confundindo os próprios alunos. Matemática, física, química e biologia são imprescindíveis para o desenvolvimento das ciências da engenharia, nas quais os modelos são desenvolvidos, geralmente probabilísticos, porém com certo grau de empirismo.
As variáveis são analisadas e adotadas e os riscos, estimados e assumidos. O bom engenheiro é treinado para analisar as variáveis intervenientes no processo e estimar os riscos, com a habilidade de decidir com dados inexatos.
Essa competência faz com que os profissionais sejam disputados em outros setores, como na área financeira, sendo seduzidos por ganhos que a engenharia não pode oferecer.
Não é simples compreender a atividade desse profissional e aceitar que, nos projetos de engenharia, se pode ter falhas inerentes ao processo de trabalho. Os acidentes, quando devidamente estudados, são fontes para o avanço do conhecimento. Logicamente, não se aceitam desastres.
Outro aspecto debatido nos ambientes profissionais é admitir que, nas últimas décadas, o Brasil desprezou sua engenharia. Na área privada, empresários preferiram comprar patentes do exterior, mais baratas do que seu desenvolvimento local e cuja solução pode ser aplicada sem se ter que esperar anos até que os resultados possam ser utilizados na indústria.
Eles não atentam ao fato de que compram uma caixa-preta, tornando a empresa dependente do detentor do conhecimento. Ou então, de uma versão ultrapassada, para produção de baixo custo nos mercados do terceiro mundo.
Empresas de renome, inclusive da agroindústria, geram e utilizam conhecimento novo. Do lado público, com a Lei 8.666, que cerceia a possibilidade de fornecimento de produtos inovadores, o governo não consegue aplicar seu poder de compra para estimular o desenvolvimento do conhecimento, subsídio aceito pelos organismos internacionais.
Sem expansão do conhecimento, não há campo para o desenvolvimento da engenharia, em consequência, os salários ficam menos atraentes e, assim, bons profissionais são cooptados para outras áreas. Por fim, dentro da indústria, as equipes de engenharia não têm o reconhecimento de seu trabalho.
Esse tema merece discussão mais ampla e indica um comportamento que explica, mas não justifica, a pouca capacidade de atuação dos engenheiros para combater desmandos que resultam em tragédias, muitas delas anunciadas.
Artigo publicado originalmente em Tendências & Debates da Folha de S. Paulo, em 21/2/2019. Pode ser acessado em https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/02/a-engenharia-nao-e-uma-ciencia-exata.shtml
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