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“Ser professora não é sobre abrir a boca, é sobre orientar com as mãos”
Sylvia Lia, primeira professora surda da USP, se vê como alguém que “abrirá portas” para o ingresso de outros docentes com deficiência, mas ainda enfrenta barreiras para ter visibilidade
Sylvia Lia Grespan Neves na sala de aula - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
A docência é um exercício que está para além de abrir a boca e impor um certo conhecimento a alunos e alunas. É sobre comunicar, estabelecer diálogo, troca. Sylvia Lia Grespan Neves sabe bem disso. Recém-contratada da USP, ela é a primeira pessoa surda a ocupar o cargo de professora na Universidade. Na Faculdade de Educação (FE), é uma das responsáveis pela disciplina Educação Especial, Educação de Surdos e Libras, obrigatória a todos os 18 cursos de licenciatura no campus da USP na Cidade Universitária, em São Paulo. Ampliando os horizontes de estudantes, a comunicação por meio da Língua Brasileira de Sinais irá preparar os futuros professores a promoverem a inclusão em sala de aula em um futuro próximo.
A disciplina é bastante disputada pelos professores em formação, como mostra o Jupiter – sistema de registro acadêmico dos alunos de graduação -, sendo muitas vezes a última disciplina a ser cursada para a conquista do diploma. No segundo semestre deste ano, por exemplo, o número de inscritos excedeu o número de vagas disponíveis nas duas turmas cadastradas, vespertino e noturno.
O Jornal da USP acompanhou algumas aulas da professora Sylvia, ministradas junto de Amanda Assis e Thiago Santos, intérpretes contratados pela FE para atuarem somente durante as aulas. A administração da faculdade relata que, caso o serviço fosse disponibilizado pela própria Universidade, as verbas da unidade poderiam ser direcionadas a outros setores. Também sugere que a presença de intérpretes contratados em regime não terceirizado contribuiria para a difusão de eventos em diversas unidades, traduzidos do português ou outros idiomas para a Língua Brasileira de Sinais. “Até porque pessoas surdas não estão presentes apenas nas escolas, estão em todos os espaços da sociedade”, critica Amanda, que além de intérprete é licenciada e bacharela em Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
O vídeo mostra um pouco da aula de Sylvia. As legendas presentes em todo o vídeo auxiliam a compreender melhor a aula, os sinais – representações de palavras, expressões – e os questionamentos trazidos pelos professores e professoras em formação, sendo um deles o debate sobre educação sexual dentro da comunidade surda. Para Sylvia, uma aula não basta, mas já é um pequeno passo para despertar o interesse em aprender a nova língua.
Abrindo portas
Para Sylvia, entrar em sala de aula assume novos significados em seu corpo. “Eu quero que me vejam como pessoa, não como alguém que é apenas surda. Afinal, ser professora não é só abrir a boca, é sobre orientar com as mãos. Libras não faz só parte de uma aula; está em mim, faz parte do meu corpo”, declara.
Segundo ela, situações constrangedoras infelizmente são habituais desde a infância. “Pensei que não se repetiria na Universidade, após saber da notícia de que fui aprovada no concurso em ampla concorrência na única vaga disposta no edital.” Para a professora, o que tem diminuído um pouco esse mal-estar é o apoio que tem recebido dos colegas de trabalho, de estudantes e dos intérpretes.
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“Eu me vejo como alguém que ‘abrirá portas’ para outros docentes com deficiência. Mas essa abertura às diversidades no campo institucional não consiste apenas em um trabalho individual”, explica Sylvia. “Carrego comigo os meus colegas, alunos e intérpretes, que infelizmente só estão junto a mim no período de aulas. O que é um absurdo, para uma Universidade como a USP, não ter funcionários que atendam a essa demanda! Afinal, vocês [ouvintes] conversam com os seus iguais a todo momento, nós surdos, nem sempre”, declara.
Ouvinte, Mônica Caldas, chefe do Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada, onde a disciplina ministrada por Sylvia está cadastrada, questiona a ausência do recurso de Libras para as comunicações do dia a dia. “Às vezes, eu sinto que a Sylvia vai demorar mais para se ambientar aqui. Porque me parece que há uma percepção um pouco geral da USP de que a inclusão consiste em colocar a pessoa dentro da universidade. Não é! É preciso também proporcionar permanência, fazendo isso não apenas distribuindo bolsas e auxílios”, afirma, destacando que a diretoria da FE tem receio de gerar uma espécie de isolamento para a nova professora.
“Na prática, estamos aprendendo a incluir, de fato, somente agora”, completa Mônica. Segundo ela, é importante estimular docentes e funcionários a aprenderem Libras.
A USP também disponibiliza aulas na modalidade EaD. Basta clicar neste link para acompanhar.
*Estagiário sob orientação de Tabita Said e Antônio Carlos Quinto
**Estagiária sob orientação de Moisés Dorado
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