No dia 4 de setembro, às 14 horas, o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP vai promover o evento Autoficção e correspondência em Carolina Maria de Jesus: testemunha de seu tempo. O IEBnário é resultado de pesquisas acadêmicas desenvolvidas pelas convidadas Carla Maria Silva, mestranda pelo programa de Pós-Graduação em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP; Luciana Diogo, doutoranda em Literatura Brasileira e escritora, e Raffaella Fernandez, pesquisadora do IEB e membro do conselho editorial da Companhia das Letras.
A primeira palestra, Quando eu puder, quero mandar imprimi-lo do jeito que escrevi – negociação e afirmação da identidade autoral nas cartas de Carolina Maria de Jesus, e a segunda, Autoficção, espaço metagenético e autoescrita de uma poética de resíduos, serão apresentadas por Luciana e Raffaella, sob mediação de Carla Maria. Para participar, não é necessário realizar inscrição. As palestras são totalmente gratuitas, com transmissão ao vivo pelo canal do IEB no YouTube.
“O principal objetivo desse evento é difundir as pesquisas que estão acontecendo no IEB e na USP sobre os manuscritos de Carolina. Então, nossa ideia foi visibilizar nossas pesquisas para assim dar destaque aos arquivos de Carolina”, conta Raffaella.
Carla Maria desenvolve a pesquisa de mestrado intitulada E não é ela uma intelectual? Trajetória e contribuições de Carolina Maria de Jesus à intelectualidade brasileira. Na pesquisa, Carla analisa três manuscritos autógrafos do Fundo Carolina Maria de Jesus, do Arquivo Público de Sacramento (MG).
“Minha investigação busca responder a duas questões principais: qual foi a intervenção de Carolina Maria de Jesus no mundo social e político do pós-abolição por meio de seus textos? E como esses textos legitimam a importância histórica do seu pensamento? Para alcançar esses objetivos, seleciono e organizo documentos com o intuito de construir uma genealogia da produção intelectual da autora. Esta abordagem se conecta com as pesquisas de Raffaella Fernandez e Luciana Diogo, que também utilizam o material de fonte primária de Carolina Maria de Jesus, mantendo uma atenção à poética de sua produção literária. Assim, os campos historiográfico e literário interagem e se complementam”, explica a mediadora.
Manuscritos carolineanos
As palestras vão abordar a obra de Carolina Maria de Jesus a partir de seus manuscritos. Os documentos serão analisados pela perspectiva da crítica genética, crítica textual e mercado editorial, com especial atenção para os aspectos autoficcionais do projeto literário da autora e de suas correspondências, que se referem às cartas feitas pela escritora. “As cartas permitem a construção de uma persona por parte do remetente, pois são um espaço onde escritores de cartas performam sua identidade diante do ‘outro’. Nas cartas, pode-se expressar, manipular ou até mesmo esconder aspectos de si, dependendo do que se deseja transmitir ao leitor. O ato de escrever uma carta pode ser visto como uma forma de representação teatral da própria pessoa, em que o remetente assume um papel ou uma voz específica”, explica Luciana.
A doutoranda complementa que, “ao lermos as cartas de Carolina Maria de Jesus, buscamos analisar como ela utilizou o ‘espaço epistolar’ para afirmar e negociar suas identidades em um contexto social e literário. A noção de cartas como performance permite explorar como a autora construía suas personas e lidava com as pressões e expectativas de sua época, criando narrativas que transcendem o mero registro de fatos para envolver a criação de significados e autorrepresentações estratégicas”.
Na segunda palestra, Raffaella vai abrir uma discussão sobre as edições dos livros de Carolina. A pesquisadora trabalha na Companhia das Letras, auxiliando na organização e publicação da obra completa da autora. “Eu vou fazer uma análise sobre textos publicados e textos originais. Nesse sentido, vou traçar as relações e as nuances que existem entre o texto original e o texto publicado. E também como as novas edições vêm trabalhando os manuscritos de modo a dar visibilidade ao original de forma mais fidedigna”, afirma.
Pensando no trabalho editorial, sua palestra pretende analisar os documentos chamados “carolineanos” sob a via da crítica genética, que estuda o autor a partir do seu trabalho original. “Essa abordagem tenta compreender os trajetos do seu processo de criação a partir do original e não das publicações. Então, são formulados determinados códigos genéticos que correspondem à origem do texto e também às diferentes modificações até o texto final. São observadas as substituições, os acréscimos, as rasuras”, pontua Raffaella.
“No caso específico de Carolina, com a obra Um Brasil para Brasileiros, é preciso pensar nas implicações de terceiros, já que esse livro foi publicado em 1982, na França, como Diário de Bitita e republicado no Brasil a partir de uma tradução direta do francês. Trata-se de pensar não apenas as modificações do próprio texto de Carolina, da própria caneta originária de Carolina, mas também as mudanças realizadas pela mão pesada de terceiros e pelo olhar estrangeiro”, acrescenta a pesquisadora.
Produção diversa
Carolina Maria de Jesus ganhou reconhecimento com a publicação do livro Quarto de Despejo: Diário de uma favelada, obra que expôs o seu cotidiano na favela do Canindé. A autora produziu romances, peças teatrais, contos e letras de música. Com base em seu doutorado, Raffaella publicou o livro A poética de resíduos de Carolina Maria de Jesus, termo usado para descrever e caracterizar a produção literária de Carolina.
A ideia foi desenvolvida desde 2001 pela pesquisadora. “Poética de resíduos foi o elemento que eu identifiquei como um traço do processo de criação de Carolina. Ou seja, as várias mesclas literárias e não literárias, de discursos literários e não literários feitos pela autora, o uso da oralidade, de determinadas referências artísticas que estão além do espaço literário, como, por exemplo, a radionovela, o melodrama e o cinema. Como essas linguagens estão dentro do texto e como a Carolina vai mesclando, hibridizando e reciclando determinados discursos dentro da sua produção artística, que é muito variada, que vai desde o romance à poesia, passando pelos provérbios, canções, contos e crônicas. Então, a minha ideia foi tentar compreender qual é o traço originário dessa produção. A ideia dos resíduos são as capturas dos restos dos discursos por Carolina ao longo do seu processo autodidático e da sua construção literária”, afirma Raffaella.
Serviço
Evento Autoficção e Correspondência em Carolina Maria de Jesus: testemunha de seu tempo
Data: 4 de setembro
Horário: 14 horas
Transmissão ao vivo pelo canal do IEB no YouTube