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O rap feminino em ascensão na arte das rimas
Mulheres desafiam a invisibilidade na cultura hip hop com rimas contundentes e letras inspiradoras, tornando-se uma força impulsionadora de mudanças sociais e culturais
Fotomontagem por Regina Lemmi, estagiária sob supervisão de Magaly Prado, com imagens de Divulgação. Da direita para à esquerda: @leticiasuxo/@balbino.x/@isabelleindia_/@valdinei/@isabelleindia_ /@juliojustoo/@stefflima
O rap feminino surgiu no Brasil no final da década de 1980, na cidade de São Paulo, com o pioneirismo de Negra Li, Sharylaine, Dina Di e Rubia. Essas mulheres agiram junto à efervescência do gênero musical. Hoje, muitas rappers importantes compõem o cenário musical brasileiro, como Flora Matos, MC Carol, N.I.N.A., Slipmami, Júlia Mac, Bivolt, Abronca, Laura Sette, Karol Conká, Lourena, Budah, Afreekassia, Monna Brutal, Drik Barbosa, Kmila CDD, MC Soffia, Cris SNJ, Cristal, Tássia Reis e Brisa Flow.
Com letras que abordam temas como empoderamento feminino, autoestima e crítica social, essas artistas conquistaram um público fiel e estão abrindo caminho para outras mulheres que desejam seguir a carreira musical. Ao mesclar diferentes gêneros, como rap, trap e R &B, elas demonstram a versatilidade do hip hop e a capacidade de adaptação às novas tendências do mercado.
Nesta semana, o programa Mosaicos Culturais leva à Rádio USP uma série de episódios que homenageiam o rap feminino. Os especiais do Mosaicos vão ao ar até dia 25, às 11 e às 16 horas, tocando músicas que estão nos fones de ouvido da comunidade USP. Neste semestre, 17 estudantes da USP pediram canções de rap para tocar no programa. Deste total, seis pessoas mencionaram cantoras femininas nacionais do gênero e falaram sobre as suas rimas. O interesse dos estudantes é testemunho do crescente protagonismo feminino no rap, quebrando barreiras e redefinindo os limites do gênero musical.
“O rap feminino é muitas vezes subjugado”
Giovana Tomaz, estudante de Letras
Giovana Tomaz, estudante de Letras com habilitação em Português na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, anda ouvindo o Set AJC 2, música que é fruto de um projeto feito por mulheres rappers que criticam a invisibilidade de seu trabalho no ramo musical e celebram o sucesso do rap feminino nos últimos anos. Giovana participou da enquete do programa Mosaicos Culturais que deu origem aos especiais sobre rap feminino. Ela comenta sobre o empoderamento feminino. A canção, que denuncia a dominação masculina na indústria do rap, tem letra de Ajuliacosta, Duquesa, LAI$ROSA e MC Luanna. Elas retratam o empoderamento feminino diante das críticas machistas feitas por outros artistas e homens consumidores do rap. Ouça o episódio sobre o projeto Set AJC 2 em Mosaicos Culturais.
“Eu vou fazendo minha rima
E vou ganhando a minha cota
E não é por que você tem medo
Que eu vou deixar de existir”
Apesar das mulheres no rap serem muitas, o gênero continua dominado por homens. De acordo com a pesquisa O funk e rap em números, apenas 8% dos rappers na plataforma ONErpm são mulheres. A plataforma é uma das líderes do segmento de distribuição digital de música no Brasil. O estudo, de autoria de Leonardo Morel e Vitor Gonzaga dos Santos, foi publicado em 2022 na Revista Observatório 32, editada pelo Itaú Cultural.
As minas do rap: protagonismo feminino
O rap é um dos cinco pilares do movimento hip hop, que comemorou 50 anos de existência em 2023. Nascido nas comunidades afrodescendentes de Nova York, com raízes que remontam aos bailes de rua jamaicanos nos anos 1960, o movimento desembarcou em São Paulo na década de 1980 como uma manifestação de periferia inspirada pelo estilo dos Estados Unidos. As primeiras expressões artísticas do hip hop apareceram no centro da capital paulista, na Estação São Bento do metrô, que hoje ainda é um ponto de referência para festivais e campeonatos de breaking, rap, DJs e grafiteiros.
A cultura hip hop se tornou uma das principais formas de denúncia, manifestação e identidade ideológica entre os múltiplos fãs e artistas. O rap, em particular, aborda temas como violência, desigualdade social e as dificuldades da vida periférica. É um dos quatro gêneros musicais mais populares entre os brasileiros. Conforme levantamento do Spotify em 2023, o Brasil é o terceiro país que mais consome rap.
A atriz, MC, slammer, spoken word e poeta Roberta Estrela D’Alva foi apresentadora do programa Manos e Minas, da TV Cultura, voltado à cultura hip hop e à música urbana. Formada em Artes Cênicas pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, Roberta conversou com o Jornal da USP sobre o uso do rap como ferramenta de resistência e luta por justiça social.
Se o rap é uma ferramenta de luta por justiça social, por que as mulheres ainda são minoria na cena? Janaina Fernandes, do site Kondzilla.com, acredita que o que falta “é uma curadoria cuidadosa que possa proporcionar às artistas femininas a mesma visibilidade que os homens têm no mercado”.

O canal Mulheres de palavra: um retrato das mulheres no rap de São Paulo conta com dez episódios de entrevistas com rappers mulheres e também foi publicado em formato de livro, escrito por Renata Allucci, Ketty Valencio e Fernanda Allucci, com o objetivo de dar visibilidade às mulheres no rap.
No primeiro episódio do canal, a rimadora Dory de Oliveira afirma que a presença feminina no rap é “uma luta constante. […] Alguém sempre vai querer fazer uma ‘gracinha’ [a respeito da mulher trabalhadora]”. Mesmo com 15 anos de carreira, ela ainda enfrenta comentários que subestimam sua capacidade de escrever rimas e cantar.
Em entrevista ao site do Itaú Cultural em 2016, a pesquisadora do rap feminino Renata Allucci explica que “o hip-hop feito por mulheres enfrenta um duplo preconceito – inclusive dentro do próprio movimento. É muito visível como o machismo ainda atua: nas letras dos raps, no comportamento ofensivo nas batalhas, na desvalorização do trabalho das mulheres, na assimetria de oportunidades”, disse Renata, hoje doutora em urbanismo pela PUC/Campinas.
Conheça as pioneiras do rap nacional
Negra Li
Negra Li foi a primeira rapper a assinar contrato com uma grande gravadora, a Universal Music, em 2004. No ano seguinte, lançou seu primeiro álbum solo em parceria com o rapper Helião. Em 2006, estrelou o filme Antônia, dirigido por Tata Amaral. O drama musical conta a história de quatro amigas que enfrentam pobreza, machismo e violência para realizar o sonho de formar um grupo de rap feminino.

Com uma discografia de quatro álbuns, Negra Li venceu três troféus nas categorias de Grupo ou Artista Solo Feminino e Melhor Artista Solo Feminino da Década, do Prêmio Hutúz, um Troféu Raça Negra como Rapper e um Vídeo Music Brasil de Melhor Videoclipe de Rap
Sharylaine

Dina Di
Com uma discografia que inclui o álbum póstumo Mente engatilhada, suas rimas tratavam de violência urbana, sexismo e racismo. Em 2009, recebeu o Prêmio Hutúz na categoria de Melhores grupos ou artistas solo feminino da década.

Rubia
Rubia Fraga é uma rapper, ativista, professora e cientista social. A cantora destacou-se no rap como integrante do grupo RPW, com DJ Paul e W-Yo. O grupo foi um dos primeiros grupos de rap nacional que teve um videoclipe na programação da MTV Brasil. O grupo esteve em atividade por 25 anos, entre 1991 e 2016. As suas canções foram grandes influências e referências para outros artistas, como Emicida e Criolo.

Audiências em números
Os principais nomes do rap nacional, considerando a quantidade de ouvintes mensais no Spotify e na Billboard Brasil, são Racionais MCs, Emicida, Matuê, Orochi, L7nnon, Filipe Ret e Veigh. Ao comparar, por exemplo, a quantidade de ouvintes mensais de Matuê, considerado pela mídia o rapper brasileiro mais famoso atualmente, com 4.188.174 ouvintes, nota-se que as artistas do rap feminino possuem, em média, cerca de um quarto dessa audiência. Duquesa possui 1.400.219 ouvintes, Tasha e Tracie acumulam 1.303. 149 ouvintes mensais e Ajuliacosta tem 768.942 ouvintes mensais.
Em um levantamento de visualizações nos canais do Youtube das rappers mais conhecidas atualmente, observa-se um crescimento significativo no reconhecimento de suas canções, independentemente de serem lançadas há um ou cinco anos. O gráfico abaixo apresenta o contraste entre as visualizações dos videoclipes de lançamento e aqueles que se destacam pela popularidade:
As duas primeiras canções analisadas foram as produções de Tasha e Tracie, Cachorra kmikze (2019), lançada em parceria com Ashira, e Willy (2022), que é a mais vista do duo. Ebony, por sua vez, lançou sua primeira canção, Bratz (2019), e surpreende ao resgatar a estética das bonecas Bratz em seu videoclipe mais popular, 100 mili.
Ajuliacosta lançou sua primeira canção Tão gostoso (2016) e, seis anos depois, obteve visualizações quadruplicadas com o videoclipe Homens como você (2022). Da Duquesa foram analisados o primeiro vídeo, Futurista (2019), e o sucesso 99 Problemas (2023), com o feat. de MC Luanna.
Quatro anos atrás, MC Luanna lançou sua canção Kit rosa (2020), que contrasta com a temática atual de seu álbum Sexto Sentido, que é predominantemente em preto e branco. Sua canção com maior visualização é a produção junto a Marquinho no beat, Larga essa vida (2023).
LAI$ROSA, por sua vez, começou sua carreira em 2022, com a canção Jet com as pretinhas, composta por ela e o rapper BJAY. A sua canção mais popular é BASIC B!TCH (2024), segunda parceria com o cantor.
As preferidas dos estudantes da USP
A seguir, os perfis das rappers escolhidas por estudantes da USP para o programa Mosaicos Culturais, que demonstram como a presença das mulheres no rap tem influenciado a indústria musical, tanto em termos de produção quanto de consumo.
Tasha e Tracie

Duquesa
Jeysa Ribeiro, mais conhecida como Duquesa, é cantora, compositora e publicitária. Ela iniciou sua carreira musical em 2015, participando da canção Só guardei para mim, do grupo Sincronia Primordial. Com uma discografia que inclui dois álbuns, Taurus e Taurus vol.2, Duquesa se destaca nos gêneros hip hop, pop e R & B.
Seu álbum de estreia, Taurus, acumulou mais de 2 milhões de plays no Spotify.

Leia mais sobre Duquesa e ouça as canções Carta para mim mesma e Voo 1360, composições e interpretações de Duquesa, nos episódios dos Mosaicos Culturais.
Ajuliacosta
Leia mais sobrede Ajuliacosta e ouça o Set AJC 2, composição de Ajuliacosta, Duquesa, LAI$ROSA e MC Luanna, em Mosaicos Culturais.

Jhenifer da Silva, estudante de licenciatura em Matemática no Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, que escolheu o rap 44, conta que escuta muitas canções de empoderamento feminino brasileiro, que a ajudaram a sair de um relacionamento abusivo.
MC Luanna
Luana Santos de Oliveira, mais conhecida como MC Luanna, é cantora e compositora. Ela se destaca por suas canções de rap, trap e funk que exaltam a confiança e a sagacidade da mulher preta e favelada. Embora sempre tenha tido contato com a composição, nunca cogitou uma carreira musical, pois não gostava de sua voz. Atualmente, a artista possui dois álbuns, 44 e Maldita, e mescla os gêneros do funk consciente e do rap.
“Sempre escrevi muita poesia, desde a época da escola. Isso influenciou muito. Algumas amigas tinham amigos ou namorados que estavam presos e eu comecei a escrever coisas baseadas nas histórias que elas viviam. Mas não era música, eram poemas”, contou MC Luanna em entrevista ao portal MonkeyBuzz.
Leia mais sobre MC Luanna e ouça 44, composição de MC Luanna, Mello Santana e Marcos Beatman, em Mosaicos Culturais.

Ebony
Ebony é o nome artístico de Milena Martins. Como rapper, iniciou sua carreira com o single Cash Cash, em 2019. Com dois álbuns lançados, Visão Periférica e Terapia, a cantora possui mais de 728 mil ouvintes mensais nas plataformas de streaming. Ela foi eleita Revelação do Rap no Prêmio Genius Brasil 2019. No entanto, define seu estilo como “pop-rap” e almeja se tornar uma diva pop.
Em entrevista à revista Rolling Stone, Ebony comentou: “Tem vezes que me irrita um pouco ser reduzida a trapper, tanto quanto a rapper, cantora ou compositora. Cada vez mais fui me desprendendo dessa ideia de ‘todo mundo falou que faço trap, então preciso fazer trap’.”
Leia mais sobre Ebony e ouça Paranoia, composição de Ebony, AG Beatz e CARLO. Larissa Kemile, estudante de Letras na Faculdade de Letras, Filosofia e Ciências Humanas da USP, participou da enquete do programa Mosaicos Culturais, da Rádio USP. Larissa conta que diverte-se com canções de figuras femininas que impactam os ouvintes, como acontece com as letras de Ebony.

LAI$ROSA
Isabela Lais Rosa, conhecida como LAI$ROSA, é cantora, compositora e atriz. Com o lançamento de um EP, Por que os homens amam as vadias?, e alguns singles, como BAD B!TCH, a cantora se destaca em enaltecer a força e autonomia das mulheres de forma assertiva.

*Estagiária sob supervisão de Magaly Prado
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