“Doutoras do agro” destacam obstáculos para a atuação feminina no meio rural

Docentes e pesquisadoras da USP integram lista da revista Forbes com as 100 mulheres que formam “a nova geração altamente especializada do agro”

 13/12/2023 - Publicado há 12 meses     Atualizado: 15/12/2023 às 16:48
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"Doutoras do agro" destacam obstáculos para a atuação feminina no meio rural

Docentes e pesquisadoras da USP integram lista da revista Forbes com as 100 mulheres que formam “a nova geração altamente especializada do agro”

 13/12/2023 - Publicado há 12 meses     Atualizado: 15/12/2023 às 16:48

Texto: Camilly Rosaboni e Guilherme Ribeiro*

Arte: Jornal da USP

Produção acadêmica de doutoras que pesquisam o agronegócio tem ganhado cada vez mais destaque e aponta dificuldade para inserção de mulheres - Foto: Freepik

Nove mulheres uspianas fazem parte de uma lista da Forbes que destaca as contribuições de 100 mulheres “doutoras do agro” em serviços prestados à produção de alimentos, fibras e bioenergia, desempenhados em empresas ou na academia. Segundo a revista, elas fazem parte de uma nova geração no campo que é altamente especializada – e os estudos acadêmicos foram fundamentais para requisitarem maior participação no meio rural, dominado pela presença masculina. 

Procuradas pelo Jornal da USP, as doutoras destacam a ampliação da presença feminina em tarefas de pesquisa e nos cargos de gestão do agronegócio nas últimas décadas. Apesar desse crescimento, elas reconhecem que ainda há barreiras que as mulheres enfrentam no mercado de trabalho do campo. 

De acordo com o Censo Agro do IBGE, a participação de mulheres na produção do agronegócio aumentou de 12,7%, em 2006, para 18,7%, em 2017. O crescimento é considerável, mas o número ainda é muito inferior ao dos homens, que representam 81,3% dos produtores. 

As pesquisadoras da USP destacam que a formação não impede a persistência de desafios para alcançar condições igualitárias no mercado de trabalho. “Quanto mais nós subimos na carreira, menos mulheres nós vamos encontrando”, lamenta Helena Lage Ferreira, professora da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP, e uma das pesquisadoras selecionadas na lista das 100 Mulheres Doutoras do Agro. 

A avaliação é semelhante à de Elisabete Aparecida de Nadai Fernandes, professora do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, também mencionada na lista da Forbes. “Posso afirmar que ainda se enfrenta resistência para ter mulheres em altos cargos, ainda que camuflada”, diz Elisabete.

A lista das 100 Mulheres Doutoras do Agro foi lançada pela revista Forbes em comemoração ao Dia Internacional da Mulher Rural, celebrado no dia 15 de outubro.

A seguir, conheça as nove doutoras do agro da USP:

Maria Lúcia Carneiro Vieira
Maria Lúcia Carneiro Vieira - Foto: Arquivo Pessoal

Maria Lúcia Carneiro Vieira é professora e presidente da comissão de pós-graduação na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, além de ser pesquisadora recém-nomeada para a Academia de Ciências do Estado de São Paulo. Desde 1988, Maria Lúcia é doutora em Genética e Melhoramento de Plantas pela USP. Com dois pós-doutorados no exterior, ela auxilia a formação de pesquisadores que atuam no agro em diferentes etapas da cadeia produtiva, tanto na seleção de material genético no campo, como também na análise dos dados dessas coletas.

Com quase 40 anos de USP, Maria Lúcia acredita que a Universidade sofreu uma transformação em termos de inclusão das mulheres. “Quando eu entrei, em meados de 1986, só havia professores. No Departamento de Genética, éramos três professoras para mais de 20 homens”, relembra ela. Segundo a professora, o mesmo cenário se repetiu na iniciativa privada. “Nós mandamos muitos alunos para as empresas e, recentemente, vemos mulheres sendo contratadas”, conta Maria Lúcia.

Ao Jornal da USP, Maria Lúcia relembra sobre o período em que realizava seu doutorado na USP rodeada de figuras masculinas. “Eu cheguei a perguntar para a minha orientadora como ela aguentava, e ela respondeu ‘trabalhando’. Isso porque nós não éramos ouvidas, não davam espaço para nós. A linguagem para você se destacar é o trabalho”, afirma a pesquisadora.

Maria Lúcia conta que não só as mulheres passaram a integrar mais o mercado agrário, como também a mudar suas atribuições. “Pouco a pouco, nós estamos vendo mulheres atuando em todas as áreas. Antigamente, as mulheres colaboravam na lavoura, ajudando a colher e plantar. Jamais com um papel intelectual”, ressalta a pesquisadora. 

Para ela, a mudança social se deu a partir da participação ativa das mulheres na pós-graduação. “À medida que as mulheres foram se formando como mestres e doutoras, em diferentes áreas das ciências agrárias, elas passaram a requisitar emprego e a disputar vagas”, afirma Maria Lúcia. 

Maria Lúcia acredita que aparecer na lista da Forbes é uma conquista. “Trata-se de uma iniciativa da mídia que favorece a informação para a sociedade. Dar entrevistas é uma forma de se impor indiretamente. Aquela informação está sendo dada por uma professora e não por um professor. Isso cria um ambiente favorável para nós”, afirma ela. 

Helena Lage Ferreira
Helena Lage Ferreira - Foto: Reprodução/UFMG

Helena Lage Ferreira é professora em doenças virais aviárias na FZEA, além de integrar a presidência da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV). Desde 2007, a médica veterinária Helena é doutora em Genética e Biologia Molecular pela Unicamp.

Nascida na cidade de Ipatinga, no interior mineiro, Helena teve seu primeiro contato com o meio rural na fazenda de seu avô. “Então, eu decidi cursar Veterinária. Logo depois do meu ingresso na graduação, eu entrei no programa de iniciação científica, para falar sobre vírus em aves, e adorei fazer pesquisa”, conta a professora, relembrando o desejo de fazer doutorado ainda nessa época. Após concluir sua formação, Helena realizou especializações na Bélgica e foi pesquisadora do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), no estado da Geórgia. 

Para a pesquisadora, a formação acadêmica é crucial para levar pessoas cada vez mais capacitadas ao meio rural. “Nós aprofundamos nosso conhecimento e isso contribui para dominarmos mais o assunto, despertando curiosidade para melhorar, persistir e identificar um problema a ser investigado”, afirma Helena. 

Helena diz perceber um aumento na formação de mulheres em áreas de ciências biológicas, cenário que não se repete no momento de contratação dessas profissionais. “Quanto mais nós subimos na carreira, menos mulheres nós vamos encontrando”, lamenta a pesquisadora.

Ao Jornal da USP, Helena conta sobre seu atual cargo de liderança na SBV. “Eu nunca me imaginava nessa posição, mas chegou um momento em que eu comecei a achar importante, especialmente para inspirar as nossas futuras gerações”, diz a pesquisadora, ressaltando que muitas de suas alunas, na FZEA, encontram nela uma inspiração de vida. 

Maria Marta Pastina
Maria Marta Pastina - Foto: Arquivo pessoal

A engenheira agrônoma Maria Marta Pastina é professora da Esalq e pesquisadora da Embrapa Milho e Sorgo, em que assumiu recentemente a posição de chefe adjunta de pesquisa e desenvolvimento. Desde 2010, ela é doutora em Genética e Melhoramento de Plantas, pela Esalq.

Maria Marta teve sua formação acadêmica na USP, desde a graduação ao pós-doutorado. “Todo meu histórico e minha carreira começam na USP. Toda a base de conhecimento foi estabelecida nela”, afirma a pesquisadora. Na Esalq, sua tese de doutorado foi a primeira a ser escrita em inglês. 

A pesquisadora diz ter sido surpreendida com a lista da Forbes, mas reconhece o trabalho que vem desempenhando. “Estamos olhando muito para oportunidades de negócios sustentáveis, mais conservativos e de menor impacto”, conta Maria Marta.

Maria Marta acredita que o cenário rural conta com uma maior participação das mulheres. “Hoje nós vemos mulheres atuando em diferentes ramos. A mentalidade das pessoas está mais aberta e com menos resistência”, afirma a pesquisadora. “Dependendo da área, nós temos mais homens do que mulheres, mas isso vai mudando à medida que mais mulheres vão se interessando pelo assunto”, complementa.

Ao Jornal da USP, Maria Marta conta que suas orientandas na Esalq vêm nela um exemplo de empoderamento feminino no mercado de trabalho. “Elas vibram ao saber que uma mulher chegou ao que elas consideram o posto máximo de trabalho, isto é, ser uma chefe adjunta de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa”, conta a pesquisadora. 

Mirian Rumenos Piedade Bacchi
Mirian Rumenos Piedade Bacchi - Foto: Arquivo pessoal

Mirian Rumenos Piedade Bacchi é professora do Departamento de Economia, Administração e Sociologia e coordenadora técnica do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), ambos da Esalq. No grupo de pesquisa, Mirian é responsável pelos estudos do setor sucroenergético, elaborando o Sistema Consecana, que trata dos indicadores de preços de etanol para os principais estados produtores do Brasil. Desde 1994, ela é doutora em Economia Aplicada pela USP.

Mirian diz se sentir muito recompensada por seu trabalho, sobretudo por contrariar um ideal social de que as mulheres devem dedicar seu tempo apenas às atividades domésticas. “[No começo de minha carreira profissional], não era muito comum as mulheres trabalharem fora o dia todo. Então, o fato de eu prestar um serviço para a sociedade de forma geral minimiza os problemas que nós temos em nos afastar um pouco da vida familiar em função do trabalho, que exige bastante dedicação”, afirma a pesquisadora. Segundo ela, esse esforço ajudou a instigar e incentivar suas filhas a trilharem suas próprias carreiras acadêmicas.

Para a pesquisadora, as mulheres estão se tornando cada vez mais capacitadas para atuar no mercado do agronegócio. “Eu até brinco com os meus alunos que nós mulheres vamos deixar um lugarzinho para eles no futuro, só para dar uma chacoalhada neles”, brinca Mirian. 

De acordo com ela, as mulheres vêm tendo mais oportunidades no mercado de trabalho, sobretudo diante de políticas de gênero na Universidade, como incentivar a presença de mulheres na bancada que avalia pesquisas acadêmicas. 

Ao Jornal da USP, Mirian comenta sobre a satisfação em aparecer na lista da Forbes. “Há um sentimento de orgulho, mas eu me sinto muito mais recompensada quando um aluno me encontra e fala sobre a importância que meu trabalho tem em sua vida”, conta ela.

Aos 70 anos de idade, Mirian diz estar cheia de aspirações para continuar contribuindo no mercado agronômico, sobretudo no Sistema Consecana e na orientação acadêmica dos alunos. “Eu acredito que, quando nós paramos, perdemos muito em termos de conhecimento”, afirma a pesquisadora.

Elisabete Aparecida Fernandes
Elisabete Aparecida de Nadai Fernandes - Foto: Arquivo Pessoal

Formada em Engenharia Agronômica pela Esalq em 1974, Elisabete é mestre em Ciências (Energia Nuclear na Agricultura) pelo Cena e doutora em Agronomia também pela Esalq. Atualmente é professora e membro do Conselho da Pós-Graduação da USP, além de coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências e presidente da Comissão de Pós-Graduação do Cena.

Elisabete vê o crescimento do número de doutoras como produto de uma autovalorização das mulheres, e pontua a importância dessas conquistas para inspirar suas alunas. “Tenho percebido que cada vez mais as alunas de graduação e de pós-graduação se espelham em nossas trajetórias profissionais e nosso comprometimento” aponta.

Hoje coordenadora dos núcleos do Cena de Inovação Tecnológica em Metrologia e Qualidade na Agropecuária e de Pesquisa em Tecnologia e Inovação para Sustentabilidade da Agricultura, Elisabete conta que mulheres ainda esbarram em obstáculos para chegarem a cargos importantes na área do agronegócio. “Posso afirmar que, nesse meio século atuando no Cena ainda se enfrenta resistência para ter mulheres em altos cargos, ainda que camuflada”.

“Minha família sempre me incentivou, minimizando o sentimento de culpa que recai sobre nós [mulheres] ao subtrairmos o tempo de dedicação exclusiva à família”, pontua, ainda, a professora sobre a expectativa social de que as mulheres assumam todas ou a maior parte das tarefas domésticas em detrimento de sua carreira profissional.

Catarina Barbosa Careta
Catarina Barbosa Careta - Foto: Arquivo Pessoal

Graduada em Tecnologia da Informação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) em 2005, Catarina se interessou pela área de gestão de operações durante a graduação, o que a levou a fazer seu mestrado, em 2009, e seu doutorado, em 2013, em Engenharia de Produção, na área de gestão logística, na Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP.

Em 2015, após a conclusão de seu doutorado, Catarina foi convidada para atuar como pesquisadora pelo  Esalq-LOG, Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial. Atualmente atua como professora e há mais de cinco anos é também coordenadora do curso de Administração da Esalq. 

“É muito prazeroso poder colher a reação das pessoas próximas a mim, em especial as mensagens das minhas alunas que me deixaram muito emocionada, e espero que isso seja um incentivo e que eu possa apoiar essas meninas a conquistarem ainda mais do que eu”, salienta a professora sobre as reações que recebeu após ter seu nome destacado na lista da Forbes.

Catarina ainda ressalta a atual predominância masculina na área, e associa o aumento do número de doutoras no Brasil ao crescimento do interesse de mulheres em ampliar suas capacitações. “Eu sempre vou defender essa bandeira, de um grande interesse de mulheres em empenharem uma atuação profissional mais robusta, e buscar essa titulação de doutora para serem ainda mais valorizadas”.

Thais Maria Ferreira de Souza Vieira
Thais Maria Ferreira de Souza Vieira - Foto: Reprodução Lista Forbes

Engenheira agrônoma, formada em 1995, e mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela USP em 1998. Thais concluiu seu doutorado em Tecnologia de Alimentos pela Unicamp em 2003, com período realizado no Cirad (Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agrícola para o Desenvolvimento),  em Montpellier, na França.  

Atualmente é professora do Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos da Esalq, e ministra disciplinas de graduação e pós-graduação em desenvolvimento de produtos e processos. É fundadora e coordenadora do grupo ESALQ Food, e vencedora dos prêmios de Excelência em Docência de Graduação da ESALQ e de Excelência em Docência da USP, no ano de 2013. 

Em 2023 Thais alcançou mais uma conquista ao se tornar a primeira mulher a assumir o cargo de Diretora da Esalq, gestão que se estende até 2027. 

Catiana Regina Brumatti
Catiana Regina Brumatti - Foto: Arquivo Pessoal

Graduada em Ciências Biológicas pelo Centro Universitário de Araraquara em 2003, mestre em Biotecnologia Vegetal, em 2010, e doutora em Biotecnologia e Biossegurança, em 2015, ambos concluídos na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Catiana é também especialista em Biotecnologia pela Universidade Federal de Lavras (UFLA) e em Educação Ambiental e Recursos Hídricos pelo Centro de Recursos Hídricos e Ecologia Aplicada (CRHEA) da USP, e está fazendo seu segundo mestrado em Gestão de Negócios pela Esalq.

No momento atual também atua como professora orientadora no Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas (PECEGE) da Esalq. Catiana é também coordenadora de Oferta Sustentável da Raízen, empresa brasileira de energia, onde antes atuava como gestora de sustentabilidade.

Ana Carolina Rodrigues
Ana Carolina Rodrigues - Foto: Arquivo Pessoal

Formada em Medicina Veterinária pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) em 2000, Ana concluiu seu mestrado em Ciências dos Laticínios na Universidade de Wisconsin-Madison em 2004 nos EUA. Seu doutorado em Pecuária e Produção foi feito na Clínica do Leite da Esalq – USP, em 2008. Logo após a conclusão de seu doutorado, Ana Carolina retornou a Universidade de Wisconsin para realizar o seu pós-doutorado, concluído em 2011.

Atualmente, com foco em pesquisas sobre gado, Ana integra a equipe de pesquisadores sênior da Elanco, empresa de produtos voltados para a saúde animal, companhia onde anteriormente exercia a função de coordenadora de pesquisa.

*Estagiários sob supervisão de Silvana Salles


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.


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