Diferentes abordagens didáticas podem ajudar na inclusão de alunos migrantes em escolas

Pesquisadora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP trabalhou em escola paulistana na inclusão dos estudantes neofalantes do português brasileiro

 17/10/2023 - Publicado há 1 ano
Pesquisa propôs aos alunos a produção de um podcast como forma de integrar os estudantes de outros países – Foto: Kenny Eliason/Unsplash

Uma dissertação de mestrado da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, desenvolvida por Priscila Vasconcelos Silva, estudou abordagens didáticas para ajudar no acolhimento de alunos migrantes. Em uma escola paulistana, ela sugeriu aos alunos a produção de um podcast como forma de integrar os estudantes de outros países. Nesse contexto, a pesquisadora propôs o uso do termo neofalante para se referir àqueles que falam uma língua que não a sua língua materna.

Em 2017, Priscila viajou à Galiza, Espanha, com uma bolsa de estudos para um curso de verão sobre língua e cultura. Lá, ela conta que se surpreendeu com o fato de que as pessoas, nas ruas, falam sobre questões relacionadas ao galego, à política linguística e até mesmo sobre os neofalantes.

O conceito de neofalante

Priscila Vasconcelos Silva – Foto: Lattes

O conceito de neofalante surge em um contexto de questionamento sobre as hierarquias existentes entre diferentes tipos de falantes e se refere inicialmente às línguas minorizadas – isto é, pouco valorizadas no contexto mundial. O neofalante é um indivíduo que aprende na escola ou na socialização secundária uma língua que não é vista como sua.

Durante a ditadura de Franco, foi proibido o uso de todos os idiomas que não o castelhano e, com isso, muitas pessoas não transmitiram o galego aos seus filhos. Por isso, o galego é considerado uma língua minorizada e aqueles que aprendem o idioma atualmente são chamados de neofalantes.

Mas o conceito de neofalante pode ser aplicado de diversas maneiras. A pesquisadora trouxe esse termo para a realidade brasileira para se referir a estudantes estrangeiros que vieram estudar aqui. Ela explica que esse conceito surgiu para questionar o que é um falante nativo. As outras denominações relacionadas aos neofalantes – como “língua não materna” – colocam o falante nativo como o detentor de todo o saber sobre a língua, criando uma hierarquia entre o falante nativo e o “outro”. Ou seja, neofalante é um termo de inclusão.

Localização da Galiza, na Espanha – Imagem: Wikipedia

Os neofalantes no Brasil

Priscila trabalhou durante um semestre com uma turma de 9º ano em uma escola estadual de São Paulo, onde conheceu alunos imigrantes. Utilizou com os estudantes uma sequência didática baseada no Modelo Burela, que tem como fundamento o contato constante com os alunos. A pesquisadora fez um diagnóstico inicial dos estudantes e uma avaliação no final do semestre para verificar o progresso deles. Além disso, pediu que os alunos se apresentassem e falassem se tinham algum familiar de fora de São Paulo. O resultado foi que quase todos os alunos têm parentes em outros locais e, assim, puderam perceber a miscigenação do nosso país.

Ao longo do semestre, a pesquisadora ajudou os alunos na produção de um podcast baseado no Proxecto Neo, um programa de rádio galego gravado pela comunidade neofalante. Embora o podcast não fosse uma atividade obrigatória, todos os alunos quiseram participar.

Priscila percebeu que abordagens didáticas diferenciadas, como o podcast, podem ser produtivas no sentido de acolher os alunos migrantes, criando uma maior integração entre todos os estudantes. Além disso, o uso do termo neofalante é importante para a inclusão dos alunos estrangeiros.

Para que atividades como essa possam ser aplicadas nas escolas, é essencial haver investimentos em materiais didáticos e formação de professores, de acordo com Priscila. Isso ajuda a orientar os alunos e evitar que exista uma cultura xenofóbica na escola.

Evolução das matrículas escolares de alunos migrantes na cidade de São Paulo entre 2010-2019 – Imagem: Observatório das Migrações em São Paulo – NEPO/Unicamp – CNPq / Dissertação de mestrado de Priscila Vasconcelos Silva

A pesquisadora descobriu que o número de alunos migrantes em escolas paulistanas aumentou mais de 80% entre 2010 e 2019. Em entrevista, conversou com a mãe de uma aluna boliviana. As duas vieram para o Brasil e a garota desde muito nova quis ir à escola para interagir com pessoas da sua idade. Porém, começou a sofrer bullying, nitidamente relacionado à xenofobia. Sua mãe tinha receio de conversar com a diretoria da escola: “A gente [migrante] sempre tem medo, a gente pensa que não tem direito a nada […], que eles [nativos] são donos do país”.* O conceito de neofalante, portanto, tenta desconstruir essa ideia: “Eles não são os donos do país, nem da língua”, afirma Priscila.

A dissertação “Essa língua também é minha”: imigrantes nas escolas paulistanas como neofalantes de português brasileiro, escrita por Priscila Vasconcelos Silva e orientada por Valéria Gil Condé, foi defendida em junho de 2023 pelo Programa de Pós-Graduação em Filologia e Língua Portuguesa.

*Trecho da entrevista feita por Priscila presente na dissertação de mestrado

Texto: Gabriela Ferrari Toquetti, da Assessoria de Comunicação da FFLCH

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