Cidades possíveis: arte e cultura criaram nova compreensão sobre as periferias

Livro complementa tese de doutorado que estuda as periferias em seu processo de resistência desde 1990 até os dias de hoje, por meio da organização política

 28/09/2022 - Publicado há 2 anos
Obras da Favela Galeria, uma galeria a céu aberto em São Mateus, zona leste da capital – Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

 

Nesta quinta-feira, 29 de setembro, às 19 horas, no Boteco da Dona Tati (Rua Conselheiro Brotero, 506 – Barra Funda) acontecerá o evento de lançamento do livro A Formação das Sujeitas e dos Sujeitos Periféricos, do filósofo Tiarajú Pablo D’AndreaA partir de uma visão da formação cultural da periferia, a obra ressalta a produção de intelectuais que transformaram a compreensão das ditas “quebradas”. O grupo de rap Racionais MC’s e coletivos culturais dirigem a narrativa, como elementos que refletem uma nova sociedade a partir das lutas antirracista, antipatriarcal e anticapitalista. 

Tiarajú Pablo D’Andrea é coordenador do Centro de Estudos Periféricos – Foto: arquivo pessoal

Além de membro do Programa de Pós-Graduação Mudança Social e Participação Política da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, o autor também é um morador da periferia da zona leste de São Paulo, no bairro de Itaquera. Imerso em experiências coletivas, Tiarajú faz uma retrospectiva da organização política e cultural nas periferias de São Paulo que, de acordo com o autor, criou um ambiente de resistência da classe trabalhadora diante do neoliberalismo da década de 1990 até os dias atuais.

O livro é produto da tese de doutorado do filósofo, que já foi pesquisador convidado da École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris. Atualmente, Tiarajú coordena o Centro de Estudos Periféricos, sediado em Itaquera. A tese, intitulada A formação dos sujeitos periféricos: cultura e política na periferia de São Paulo, foi defendida em 2013 e somente agora se tornou um livro. De acordo com o autor, o estudo teve por objetivo reverter estigmas e preconceitos contra sujeitos periféricos e mostrar como a cultura desenvolvida nas periferias ajudou a ressignificar esses locais, distanciando-os da percepção única de que são cenários de violência e de pobreza. 

 

Estudando a quebrada

A pesquisa de Tiarajú parte do contexto social da década de 1990, quando as periferias de São Paulo sofriam os desdobramentos do neoliberalismo e um alto índice de homicídios. No mesmo período, o autor indica uma explosão de atividades culturais que, segundo ele, conseguiram resistir e, junto a outros fenômenos, fez surgir na periferia uma nova subjetividade, centrada no orgulho dessa condição. Ao Jornal da USP, Tiaraju fala que tais subjetividades periféricas não se resumem, apenas, a habitar a periferia. “Mas, [trata-se] da ação de afirmar o pertencimento a ela. Dessa forma, há uma condição urbana e cultural que deriva de um processo histórico, de migração nordestina e de presença negra, com qualidade de vida precária, que resulta em uma percepção social e ação política própria desses grupos periféricos”, afirma.

Foram nove anos entre a finalização do doutorado e a publicação do livro. Para o pesquisador, isso se deve à criticidade e às questões que levantava, como o elitismo nas universidades públicas de São Paulo e a ideia de que a produção de conhecimento poderia vir de outros espaços diferentes das regiões centrais em que essas escolas estão localizadas. Durante o desenvolvimento da pesquisa, Tiarajú conta que conforme expunha a realidade da periferia, havia uma resistência para a continuidade de seu trabalho. “Minha tese incomodou um pouco”, diz.

O filósofo explica que sentiu necessidade de transformar a pesquisa em livro por causa da distância temporal e para poder aprofundar assuntos pouco abordados nela. “O conceito de sujeitas e sujeitos periféricos está mais organizado no livro”, afirma ele. Na introdução, o autor expõe que a obra usa um intervalo de tempo que se inicia e finaliza com dois genocídios: o da década de 1990, causado pela alta letalidade policial e a ocorrência de três grandes chacinas – Carandiru, Candelária e Vigário Geral – e o causado pela pandemia de covid-19. Além disso, o autor acrescentou dois capítulos finais, que tratam da realidade brasileira no ano de 2022. 

Raio X Brasil é o terceiro álbum de estúdio do grupo brasileiro de rap Racionais MC’s, lançado pelo selo da gravadora Zimbabwe Records em 1993 – Imagem: Reprodução

Um dos elementos presentes no livro e na tese é a referência ao grupo musical Racionais MC ‘s. Tiarajú acredita que o álbum Raio X Brasil, lançado pelo grupo em 1993, foi um marco fundamental para o autorreconhecimento da população periférica. O autor faz uma análise musicológica e política das composições do grupo, mas também traz uma homenagem a eles. “[Os Racionais MC’s] ajudaram a gente a pensar o mundo e a se compreender em um momento em que as periferias estavam numa crise subjetiva muito grande”, diz. “É uma obra de arte que a todo momento interage com a realidade, a partir de sua sensibilidade e de uma leitura muito fina e muito concreta do que está acontecendo na realidade”, complementa. 

Com apoio da Fundação Rosa Luxemburgo, a obra é uma publicação da Dandara Editora e recebeu a menção honrosa no Prêmio de Musicologia da Casa de Las Américas, em Cuba. No prefácio e abas (ou “orelhas” do livro), Tiarajú contou com outros organizadores. Entre eles: o professor de Jornalismo na USP, Dennis de Oliveira, a pesquisadora da USP, Carolina Freitas, e a professora de Sociologia da Universidade Estadual de Londrina, Daniela Vieira. “Convidei pessoas que foram boas leitoras da tese”, explica o pesquisador.

Na EACH, Tiarajú é membro do Programa de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política (PROMUSPP) da USP. O programa busca formar pesquisadores que analisem a sociedade a partir de suas transformações sociais, junto aos desafios de desenvolvimento das cidades. Como a EACH surgiu em um contexto de ausência de uma universidade pública na zona leste de São Paulo, o PROMUSPP busca compreender essas mudanças sociais e as participações políticas que as envolvem.

Foto: Dandara Editora

 

A Formação das Sujeitas e dos Sujeitos Periféricos
Dandara Editora
Ano: 2022
Páginas: 288

Disponível para compra no site da editora.
Saiba mais sobre o lançamento da obra aqui.


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