
O olhar médico sobre obras de arte é o tema de Medicina e Arte: os Diagnósticos que as Obras de Arte Revelam, série de vídeos didáticos que acaba de ser lançada no site da Faculdade de Medicina da USP. O projeto é idealizado por Alexandre Faisal, médico e pesquisador científico do Departamento de Medicina Preventiva da faculdade, e nasceu a partir de seu interesse pessoal pelas áreas de humanidades, como a psicologia, a sociologia, a antropologia e as artes. Durante cerca de 15 anos, em suas visitas a museus, Faisal percebeu como muitas pinturas tratavam de temas relacionados à medicina e como esse conhecimento poderia e deveria ser disseminado.

Para Faisal, o ensino da arte contribui para o exercício profissional dos futuros médicos. “Incorporar as disciplinas de humanidades – não falo só da arte, mas também de outras áreas do conhecimento, como a psicologia e a psicanálise – ajuda na formação do médico nesse relacionamento com o paciente”, explica.
A relação entre a ciência biológica e as ciências humanas foi tratada por Faisal em cursos e palestras, e agora chega aos canais de comunicação da Faculdade de Medicina da USP em formato audiovisual, através de vídeos com cerca de cinco minutos de duração, em média. “Não consigo imaginar o cuidado médico, o cuidar do outro sem o que eu chamaria de humanização do atendimento, e acredito que a arte é um instrumento que possibilita não só uma reflexão sobre si próprio, sobre a pessoa que cuida, mas também sobre aquele que vai ser cuidado”, conta o pesquisador.
Faisal é quem realiza a pesquisa bibliográfica e a seleção das obras apresentadas nos vídeos, além de fazer a apresentação e narração. Com foco na arte ocidental, são apresentadas desde as mais famosas pinturas da história da arte até aquelas menos conhecidas pelo grande público. O seu foco é alinhar temáticas que sejam de interesse popular às obras e assuntos que mais chamam sua atenção nas pesquisas que desenvolve.
As obras
As doenças, os tratamentos médicos e a relação médico-paciente são temas retratados com frequência nos vídeos. O primeiro episódio publicado demonstra isso a partir de uma análise sobre as duas versões de Retrato de Dr. Gachet (1890), ambas de Vincent Van Gogh (1853-1890). As obras apresentam, em tom de melancolia, a figura do psiquiatra Paul Gachet – responsável pelo tratamento médico do pintor holandês, quando este se internou voluntariamente em Saint-Rémy-de-Provence, na França, após cortar a própria orelha. No vídeo, Faisal analisa que “os tons azuis espessos confirmam o humor deprimente do doutor Gachet” e que “a planta à sua frente é um digitalis, um cardiotônico, o que mostra o interesse do médico pela homeopatia, que ganhava terreno entre médicos no século 19″.

Essa relação entre o médico e o seu paciente é novamente observada no quadro Ciência e Caridade (1897), de Pablo Picasso (1881-1973). Feita pelo artista espanhol quando tinha apenas 15 anos de idade, a pintura demonstra uma mulher acometida pela tuberculose em um leito, acompanhada do médico – que representa a ciência – e de uma freira, que carrega em seus braços a filha da paciente – representação da caridade. “O médico, compenetrado e sério, toma o pulso da enferma. O ato de tomar ou avaliar o pulso é uma das práticas da semiologia médica mais retratada na história da arte”, narra o pesquisador no vídeo. “A paciente não está nada bem: está pálida, os olhos são bem fundos, o rosto magro, quase caquética. É possível ver com detalhes os ossos da mão. Ela sofre, e morrerá das complicações da tuberculose, o mal do século 19, que recebeu igual atenção de médicos, pintores e escritores”, detalha.

A sexualidade, o amor e a maternidade também aparecem ao longo da série, como no caso da análise de Cama Voadora (1932), obra concebida pela pintora mexicana Frida Kahlo (1907-1954). Quando engravidou, em 1930, Frida foi aconselhada por médicos a realizar um aborto. As dificuldades de manter uma gestação foram justificadas em decorrência dos inúmeros procedimentos cirúrgicos a que a artista teve que se submeter, devido a um acidente que a deixou com sequelas para o resto da vida.
Dois anos depois, a pintora ficou grávida novamente, o que inspirou o quadro que Faisal aborda no episódio – e que se intitula Hospital Henry Ford, fazendo referência ao período em que a mexicana viveu com seu marido Diego Rivera em Detroit, nos Estados Unidos. O autorretrato revela símbolos que remetem aos sentimentos melancólicos sobre o aborto e a maternidade, tais como o sangue derramado no leito hospitalar, o órgão reprodutor feminino, um feto masculino, uma pélvis fraturada e uma flor murcha. “Esses elementos representativos do aborto saem de Frida como se fossem veias”, nota Faisal.

Até o momento, foram publicados outros três vídeos, que apresentam O Triunfo da Morte (1562), O Doutor (1891) e A Fêmea Hidrópica (1663), de Pieter Bruegel, Sir Luke Fildes e Gerard Dou, respectivamente. Ainda estão previstas para serem postadas mais duas dezenas de vídeos.
Os vídeos da série Medicina e Arte: os Diagnósticos que as Obras de Arte Revelam estão disponíveis no site da Faculdade de Medicina da USP e no canal do projeto na plataforma Youtube.