Uma das maiores especialistas em relações sociais de gênero, a socióloga Eva Blay, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, organizou o dossiê do número 122 da Revista USP, intitulado “Feminismos”, além de escrever um dos textos que compõem o volume. A nova publicação apresenta seis artigos sobre gênero e sexualidade nos mais diversos aspectos, fazendo desde um panorama histórico sobre direitos da mulher até um levantamento sobre as mobilizações feministas mais recentes.
O novo número da revista começa com uma breve apresentação de Eva Blay sobre a importância de colocar esse assunto em debate. “A guerra contra gênero mobiliza o Poder Executivo eleito em 2019 e boa parte do Congresso. Ambos visam a desconstruir as recentes conquistas das mulheres à cidadania.”
Os pesquisadores José Eustáquio Diniz Alves e Suzana Cavenaghi, doutores em demografia, abrem o dossiê com o artigo intitulado “Progressos e retrocessos na conquista da equidade de gênero no Brasil”. Eles escrevem sobre o desenvolvimento histórico do tema, falando mais especificamente sobre mercado de trabalho e autonomia feminina, além de direitos sexuais e reprodutivos da mulher.
O ponto central do texto passa pelo fato de que o Judiciário faz mais pela igualdade de gênero do que o Legislativo, que inclusive tenta barrar constantemente os avanços promovidos pelos magistrados. No artigo, os pesquisadores relembram a famosa frase “menino veste azul, menina veste rosa”, pronunciada pela ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves, que é pastora evangélica.
Relacionado com esse tema, o ensaio seguinte, intitulado justamente “Quando menina veste azul e menino veste rosa: questões de gênero no trabalho”, do professor Angelo Soares, da Universidade de Quebec em Montreal, no Canadá, leva o leitor a pensar sobre a divisão sexual do trabalho. Para isso, ele apresenta dois estudos de caso, o de um homem em um ambiente de trabalho feminino e o de uma mulher na posição contrária. Ele traça também um paralelo com a orientação sexual, na medida em que essas pessoas acabam sendo categorizadas como gays ou lésbicas por adentrarem o espaço que foi culturalmente mais ocupado pelo sexo oposto.
A divisão do trabalho, no entanto, também aparece em outras relações sociais: de classe, de raça, de etnia e de idade. A esse respeito, o terceiro artigo do dossiê se aprofunda na questão das mulheres negras e periféricas. “A intersecção de raça-classe-gênero se faz presente em todas as vivências, já que se trata de uma opressão estrutural”, escreve a mestre em Educação Sexual Elânia Francisco Lima, em seu texto “Erguer a voz, não passar a vez: mulheres negras periféricas e os desafios da vida acadêmica”.
O texto também se destaca por ter seus subtítulos em forma de perguntas, que propõem reflexões para o leitor, como “Com quantas meninas negras você estudou no ensino infantil?”, “Com quantas jovens negras você estudou durante a graduação?” e “Quantas professoras universitárias negras você teve?”. No fim, a autora diz que ainda há muito debate a ser feito, mas convida o leitor a acompanhá-la: “Vamos juntas?”.
O dossiê ainda conta com textos como “As mulheres no esporte brasileiro: entre os campos de enfrentamento e a jornada heroica”, da professora da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP Katia Rubio, e do doutorando Rafael Campos Veloso. Traz também “Do feminismo ao gênero: uma nova inquisição?”, de Eva Blay, e “Leitura crítica de um manifesto feminista populista”, de Teresa Orozco Martínez e Martha Zapata Galindo, professoras do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Livre de Berlim, na Alemanha
Leonardo da Vinci
Além do dossiê “Feminismos”, a nova edição da revista também conta com a seção Textos, que traz dois artigos: “Espectros da multidão”, do pesquisador Felipe Ziotti Narita, e “Trinta anos depois: realidade e pesquisa das religiões afro-brasileiras, do centenário da Abolição aos dias de hoje (1988-2018)”, escrito por Reginaldo Prandi, Teresinha Bernardo e Luiz Jácomo.
Na seção Arte, a professora Elza Ajzenberg faz uma homenagem ao pintor e cientista renascentista Leonardo da Vinci, nos 500 anos de sua morte, completados em 2019. Na última seção da revista, Livros, o professor Jair de Almeida Junior faz uma resenha sobre a obra Encantado no Meio do Povo: a Presença do Profeta São João Maria em Santa Catarina.