Em tempos de cortes orçamentários nas universidades públicas e nas instituições de fomento à pesquisa, a nova edição da revista Estudos Avançados, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, se propõe a discutir o papel da universidade, da indústria e do governo, a chamada “hélice tríplice”, no avanço das inovações. A edição número 90 da revista traz o dossiê Inovação, coordenado pelo professor Guilherme Ary Plonski, da Escola Politécnica da USP, com dez artigos de especialistas nesse tema.
Segundo o editorial da revista, a interação entre a “hélice tríplice” é de vital importância para o desenvolvimento do Brasil, porém “a quase completa ausência de interação consistente entre esses setores” tem sido uma das grandes falhas do País. “Cortes orçamentários recentes tendem a agravar a situação e tornam problemática essa integração, que, no entanto, seria vital para retomar o projeto de desenvolvimento sustentável, em nível nacional.”
Quando se fala de inovação e desenvolvimento, as universidades, a indústria e o governo brasileiro não são os primeiros da lista. No Índice Nacional de Inovação, o Brasil se encontra estagnado na 69ª posição. Em 2011, sua posição era de 47º. Dessa forma, o dossiê se propõe a discutir maneiras de fazer a “hélice tríplice” brasileira funcionar, a fim de trazer o avanço das inovações. “Os dados do problema estão colocados com clareza didática em mais de uma passagem do dossiê, juntamente com propostas de solução tanto da alçada do Estado como nas tarefas inadiáveis da universidade e da indústria”, destaca o editorial da publicação.
O conceito de inovação se transformou ao longo da história, mostra o artigo Inovação em transformação, de Plonski, que abre o dossiê. O que hoje tem uma conotação positiva, relacionado a progresso e desenvolvimento, já foi visto como heresia pela Igreja, tendo casos de prisões motivadas por “inovações suspeitas”. Há diversos estudos que buscam encontrar a origem da mudança no sentido de inovação, muitos apontando o Iluminismo como o momento mais provável. Hoje, inovar é a meta de empresas e serviços, podendo render até prêmios às melhores ideias e produtos que mudam a vida em sociedade.
A compreensão de que a inovação está diretamente associada à ciência e tecnologia também é nova, tendo se propagado a partir do século 20 – continua o artigo. Foi nesse momento que a universidade ganhou espaço oferecendo o ensino e a pesquisa como meios para o progresso. O foco do dossiê é justamente entender esse espaço da universidade e a necessidade de ampliá-lo, abrangendo a indústria e o Estado, para geração de novas indústrias e empresas.
A importância da “hélice tríplice” para o desenvolvimento do País é debatida mais detidamente no artigo Hélice tríplice: inovação e empreendedorismo universidade-indústria-governo, assinado por Henry Etzkowitz e Chunyan Zhou. “A hélice tripla é um modelo universal de inovação. É o segredo por trás do desenvolvimento do Vale do Silício por meio da inovação sustentável e do empreendedorismo”, escrevem os autores.
O dossiê Inovação traz ainda os artigos Políticas de inovação em nova chave, de Glauco Arbix e Zil Miranda, A inovação, o desenvolvimento e o papel da universidade, de Jorge Audy, e Interação academia-indústria – Relato da experiência da Vale, de Luiz Eugenio Mello e Edgar Sardinha Sepúlveda. P&D versus inovação, Inovação tecnológica, Práticas intraempreendedoras na gestão pública: estudo de caso na Embrapa, Radar da Inovação – O que os governos precisam enxergar e Sob os olhares de Janus, o foco é no conhecimento são os outros textos que completam o dossiê.
Cultura brasileira
A revista Estudos Avançados traz ainda outros três dossiês, com artigos sobre Mário de Andrade, música caipira e Antonio Candido. Com várias imagens de Mário de Andrade, os seis artigos do dossiê sobre o escritor modernista analisam suas poesias, relembram o seu legado para a literatura e mostram seu gosto e talento para a crítica da música francesa. Os artigos sobre Mário de Andrade vieram de colaborações originais produzidas ou estimuladas pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, “atualmente o mais fecundo viveiro de estudos sobre a obra de Mário de Andrade”, lembra a publicação em seu editorial.
Os trabalhos sobre a música caipira começam com um artigo de Ivan Vilela, músico, compositor, pesquisador e professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. O artigo relembra a história da música caipira brasileira, que tem suas origens na época da escravidão, época em que a cultura oral, principalmente cantada, era a melhor maneira de se contar a história de um povo. “Se aprendemos uma história que é ritmada, tal qual um poema, ou ainda rimada e cantada, daqui muitos anos conseguiremos reproduzi-la com a total fidelidade que nos foi passada”, explica o músico em seu artigo.
O dossiê sobre música caipira ainda conta com artigos sobre a moda de viola, o fandango de chilenas e a gravadora Chantecler, todos com fotografias em preto-e-branco e coloridas de duplas e cantores caipiras da época.
A revista fecha o volume com uma homenagem ao professor Antonio Candido, morto em maio deste ano. Dois membros da Academia Brasileira de Letras (ABL), o professor Alfredo Bosi e o ensaísta Alberto Venancio Filho, dedicam artigos ao professor, um sobre o legado da obra de Antonio Candido e o outro sobre o professor e sua relação com a ABL, respectivamente.