Em tempos de incerteza, muitas vezes buscamos (ou desejamos) refúgio em outro lugar. A partir dessa ideia, o professor de Literatura Hebraica e Judaica da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP Luis S. Krausz nos leva de volta à década de 1980 – quando o Brasil vivia as incertezas e esperanças da transição da ditadura militar para a democracia – em seu novo livro, Outro Lugar, vencedor da categoria Romance no 2º Prêmio Cepe Nacional de Literatura, da editora pernambucana Cepe.
Outro Lugar é o quarto romance do professor, precedido por Desterro: Memórias em Ruínas, de 2011, Deserto, de 2013, e Bazar Paraná, de 2015. Entre todos eles, Krausz admite haver pontos em comum. “Tudo que escrevemos é aquilo que sabemos, o escritor acaba sempre falando dele mesmo, das suas vivências. Então, a questão do exílio, do estranhamento com relação ao mundo, o ser e sentir-se estrangeiro, acho que são marcas que se reiteram nos meus trabalhos de ficção.”
Porém, o professor julga que Outro Lugar, com seus extensos parágrafos recheados de vírgulas e com poucos pontos finais, seja sua obra estilisticamente mais ousada. “Este é um livro diferente dos anteriores na forma. Quis expressar a ânsia de narrar que está envolvida na produção de um livro”, diz o autor. “Para mim, escrever um romance não é um projeto pensado, é um processo misterioso, imponderável, quase involuntário. É mais um gesto de mergulhar e se entregar ao impulso de narrar a história.”
Em virtude da imprevisibilidade desse processo, Krausz afirma que é uma mera coincidência o fato de o livro ser lançado num momento de grande incerteza para o País. “Terminei de escrevê-lo no fim de 2014. Portanto, toda essa situação atual, em que as esperanças e promessas que tínhamos com o fim da ditadura se veem frustradas, ainda não havia se constelado realmente.”
Krausz assume que, entretanto, seja natural que se faça a relação entre as dúvidas sobre o futuro do Brasil nos anos 1980, retomadas no livro, e as de agora, com a diferença de que naquela época, segundo ele, além das incertezas, havia esperanças. “Não foi minha intenção fazer esse paralelo, e não acho que caiba a mim julgar o significado da obra diante do contexto em que ela foi publicada. Isso é papel dos críticos e dos leitores. O que espero é que, como obra de arte, Outro Lugar se preste a muitas interpretações.”
O professor, de família judaica, diz que o tema se deve, na verdade, às suas origens. “Minha família teve que se refugiar, não meramente pela insatisfação com o local onde estava, mas por pressões externas. Situações como essa acabam trazendo essa ânsia por outro lugar, e ela acaba tornando-o um lugar idealizado, irreal.”
Outro recurso que o autor utiliza na história para evocar esse sentimento é a fotografia, destacada por ele como um elemento de importância considerável. “O livro começa e termina falando de fotografia, e o narrador a encontra em momentos esparsos e inesperados no enredo. A própria capa é uma fotografia do fotógrafo Werner Haberkorn, que emigrou do leste da Europa para o Brasil e documentou São Paulo em fotos nas décadas de 1940 e 1950, e é citado no livro. A fotografia tem essa mesma qualidade da literatura de invocar outro lugar, outro tempo, nos leva a imaginar”, explica o professor.
Outro Lugar, de Luis S. Krausz, Cepe Editora, 364 páginas, R$ 35,00.