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Com uma seleção de 160 obras, o Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP apresenta uma síntese da história da arte mundial e brasileira e também a trajetória da própria instituição, fundada em 1963. Aberta no dia 27 de setembro, a exposição Visões da Arte no Acervo do MAC USP 1900-2000 ocupa o sexto e sétimo andares do edifício do MAC, no Ibirapuera. Traz um século de história trilhada por Pablo Picasso, Marc Chagall, Paul Klee, Giorgio Morandi, Wassily Kandinski, Amadeo Modigliani e Giuseppe Santomaso, entre outros. Destaca também os mestres que pontuaram a história da pintura moderna e contemporânea do País, como Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Alfredo Volpi, Victor Brecheret, Regina Silveira, Carmela Gross, José Roberto Aguillar, Alice Brill, Daniela Senise, Paulo Monteiro e Nelson Leirner.
Compor as histórias dos artistas aliadas aos 53 anos de pesquisas do MAC foi a tarefa das curadoras Ana Magalhães, Carmen Aranha e Helouise Costa. Pesquisadoras, professoras e historiadoras de arte, elas se dedicam à preservação e ao estudo do acervo. Experiência que resultou na seleção das 160 obras da exposição, a partir de uma coleção de mais de 12 mil peças. A mostra, como elas próprias justificam, não segue uma cronologia rígida, mas “orienta um percurso de visita que visa, sobretudo, a lançar indagações sobre conjuntos de obras capazes de revelar algumas das especificidades da arte e da cultura brasileira, em sua interação com a arte internacional”.
No sétimo andar do edifício do MAC, os visitantes vão se deparar com os artistas da primeira metade do século. Poderão observar a história da arte contextualizada com a sociedade da época através dos textos das curadoras anexados no espaço.
“As mudanças econômicas introduzidas pelos novos sistemas de produção e pelo desenvolvimento tecnológico, propiciado pela Revolução Industrial, trazem a modernização da sociedade e o modernismo responsável pelo novo saber, no qual as ordens clássicas já não servem mais e seguem abaladas por essa efervescência”, explica Carmen Aranha. “A janela renascentista contemplativa está agora em um trem que, rapidamente, passa pela paisagem, revelando um mundo de impressões fugidias.”
Carmen lembra que o século 20 irrompe com as sementes da nova visualidade, que chegam com Cézanne, atraindo os artistas que serão reconhecidos, mais tarde, como o grupo das vanguardas históricas. “Abre-se um leque de pesquisas que oferece as facetas da modernidade artística: Expressionismo, Fauvismo, Cubismo, Futurismo, Neoplasticismo, Suprematismo, Construtivismo, Dadaísmo e Surrealismo.”
Essas “sementes da nova visualidade” podem ser observadas nas obras de Marc Chagall, Joan Miró, Giorgio de Chirico, Giorgio Morandi e Umberto Boccioni. A exposição mostra como a modernidade dos europeus dialoga com os pintores brasileiros. “As intenções telúricas e míticas das culturas autóctones, da cultura negra e da mestiça transformaram-se em imagens. Tarsila do Amaral retrata as tradições populares com cores caipiras – rosa, azul e verde – e representa, ainda, o ancestral, o mito e a poética primitiva, num fundo de formas construtivas, herança de suas lições com André Lhote, Albert Gleizes e Fernand Léger.”
Com a orientação de Carmen Aranha, o público pode entender Tarsila do Amaral pintando A Negra, de 1923, e as cores de A Estrada de Ferro Central do Brasil, de 1924. “Anita Malfatti, Victor Brecheret e Antônio Gomide são artistas brasileiros com um profundo diálogo com as vanguardas europeias. Ismael Nery, influenciado por Marc Chagall, Giorgio de Chirico e Pablo Picasso, funde formas e as escarna; sugere fusão de corpos, a criação de um único ser, uma solução síntese do diálogo do artista com as vanguardas históricas.”
A curadora Ana Magalhães aponta a circulação da arte moderna, que fica muito clara na exposição. “Quando tratamos da história da arte moderna, é fundamental considerarmos a relação que o artista modernista estabelecia com seu público, mediado por um sistema de arte que tinha sua estrutura baseada nas galerias de arte e na crítica de arte. Havia um mecanismo de legitimação da produção dos artistas que passava pela apresentação pública das obras em exposições, pelo julgamento crítico, pela venda por intermédio da galeria e, finalmente, pela perpetuação nos acervos dos museus de arte.”
Segundo a curadora, esse sistema de produção artística modernista entrou no circuito comercial através dos projetos de produtos ligados ao desenho industrial e aos meios de comunicação, como o design gráfico e ilustrações de jornais e revistas, e também através do teatro, dança, óperas, figurinos e cenografia. “Temos neste segmento uma pequena amostra do que artistas brasileiros como Emiliano Di Cavalcanti, John Graz e Antônio Gomide produziram nesse contexto. Di Cavalcanti era, antes de tudo, um ilustrador de jornais e revistas. Aqui temos alguns exemplos de charges de jornal, cartazes por ele desenhados e ilustrações de publicações. Há, inclusive, um projeto de cenografia. Já John Graz, Antônio Gomide e Regina Graz, artistas formados pela Escola de Belas Artes de Genebra (Suíça), constituíram uma tríade que produziu projetos marcantes de artes decorativas. Recentemente, alguns estudos apontaram para a colaboração dos três com o arquiteto Gregori Warchavchik na decoração de interiores de casas modernistas por ele projetadas. Levantou-se ainda a existência de uma fábrica de tapeçaria que chegaram a constituir conjuntamente em São Paulo.”
Arte e política
O questionamento da arte na sociedade moderna também está presente na mostra. “Ao invés de reforçar uma atitude contemplativa por parte do observador, com ênfase em valores estéticos, muitos dos artistas de vanguarda fizeram de seus trabalhos um alerta contundente sobre os problemas sociais de sua época”, analisa a professora Helouise Costa. “É justamente o ser humano, submetido a condições degradantes ou às atrocidades da guerra, o que se vê nas gravuras de diversos artistas ligados ao Expressionismo. As obras de Käthe Kollwitz, Karl Schimidt-Rottluff e Lasar Segall, em sua maioria datadas do período que vai da Primeira Guerra Mundial ao início da década de 1920, nos colocam diante de imagens duras, dotadas de forte carga emotiva.”
Helouise Costa chama a atenção do visitante para a obra A Santa da Luz Interior. “Longe de se aproximar da iconografia religiosa tradicional, a litogravura de Paul Klee nos oferece a imagem de uma mulher com os seios à mostra. As deformações da figura, bem como a técnica utilizada, conferem, propositadamente, um aspecto sujo e mal-acabado ao resultado final.”
Essa obra de Klee, segundo a curadora, integrou a exposição intitulada Arte Degenerada, organizada pelo regime nazista na Alemanha em 1937. “A mostra teve como objetivo apresentar ao povo alemão exemplos de manifestações artísticas renegadas pelo governo. As obras eram tidas como aberrações e os artistas que as produziram, considerados doentios ou ideologicamente nefastos.” Obras que aliam arte e sociedade estão nos trabalhos de Cândido Portinari e Di Cavalcanti.
Ponte com a Bienal
A mostra Visões da Arte no Acervo do MAC USP 1900-2000 faz uma ponte com a 32ª Bienal de Arte de São Paulo, que está acontecendo no Ibirapuera, no prédio em frente ao MAC. E traz a importância do evento desde a sua primeira edição, em 1951, que tinha como foco introduzir o ambiente da arte brasileira no sistema internacional da arte. “O MAC, como depositário das obras do antigo Museu de Arte Moderna (MAM), possui um conjunto significativo de obras que foram expostas ou premiadas nas edições da Bienal na década de 1950”, esclarece Ana Magalhães. “Essas obras são fundamentais para reconstituir a história da Bienal de São Paulo e, ao mesmo tempo, são testemunho de um debate ainda em aberto sobre a arte moderna.”
Percorrer as obras no sétimo andar ajuda o visitante a entender o tempo da arte contemporânea. “As transformações ocorridas no cenário político e econômico no Brasil, entre as décadas de 1950 e 1960, não poderiam ter sido mais radicais. Após o otimismo desenvolvimentista do governo do presidente Juscelino Kubitschek, responsável pela construção de Brasília, o País seria submetido a uma ditadura duradoura, instaurada pelo golpe militar de 1964. Na mesma época, a arte também iria passar por uma profunda transformação. Após o predomínio do Abstracionismo, na década de 1950, seguiu-se a adesão de muitos artistas ao novo Figurativismo, que se manifestou em escala global ao longo dos anos de 1960.”
Transformações que estão documentadas nas obras de Marcello Nietsche, em Aliança para o Progresso, de 1965, de Nelson Leirner, em Você faz parte II, de Antonio Dias, em Fumaça do Prisioneiro, 1964. Também a série Futebol, de José Roberto Aguillar, que pinta os atletas sem rosto, registram as pressões dos anos de chumbo. “Podemos constatar que a difícil situação que o País iria atravessar, a partir de 1964, faria com que muitos artistas brasileiros chegassem a uma fusão, extremamente original, entre elementos da pop arte e a crítica ao autoritarismo do regime”, analisa a professora Helouise.
“O ano de 1968 entrou para a história ocidental como um marco dos movimentos de contestação política e de repúdio ao cerceamento da liberdade e dos comportamentos. Maio de 68 se iniciou com os protestos estudantis na França contra o sistema educacional local, mas o espírito da revolta iria se expandir rapidamente para outros extratos sociais, em diversos países e não só europeus. No Brasil, a Passeata dos 100 mil, organizada pela União Nacional dos Estudantes (UNE), foi a reação mais visível do descontentamento da sociedade civil contra a ditadura. A resposta do governo seria o Ato Institucional número 5, que fechou o Congresso Nacional, suspendeu os direitos individuais e conferiu poder ilimitado às autoridades militares.”
As décadas finais do século 20 são registradas com o retorno à pintura. “A nova geração de artistas resgatou as vertentes gestuais, enquanto o grafite e a arte urbana passaram ser objeto de interesse do campo da arte. As obras de artistas brasileiros presentes nesta mostra são um testemunho da renovação da pintura, sobretudo como desdobramento do diálogo destes com o ambiente internacional e com a emergência da pintura neoexpressionista.”
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A exposição de longa duração Visões da Arte no Acervo do MAC USP 1900-2000, curadoria de Ana Magalhães, Carmen Aranha e Helouise Costa, está em cartaz às terças-feiras, das 10h às 21h, e de quarta-feira a domingo, das 10h às 18h, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP (Avenida Pedro Álvares Cabral, 1.301, Ibirapuera, São Paulo). Entrada grátis. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 2648-0254.
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