Livro conceitual explora a história da iconografia brasileira

Primeira publicação da Biblioteca Brasiliana, “Oito Viagens ao Brasil” une realidade, ficção e design criativo

 22/06/2017 - Publicado há 7 anos
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Oito Viagens ao Brasil mistura história, literatura, design gráfico e criatividade – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

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Oito Viagens ao Brasil
, novo livro do artista Gustavo Piqueira e primeira publicação com o selo da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin da USP, em parceria com a Editora WMF Martins Fontes, põe em xeque o que usualmente se concebe como um livro. Para começar, são oito livros, assinados por autores-personagens diferentes, alguns repletos de fotografias, outros mesclando realidade e ficção, um completamente rasgado. Todos, reunidos dentro de uma caixa ilustrada com uma gravura vivamente colorida de um frenesi canibal, formam Oito Viagens ao Brasil, que será lançado neste sábado, dia 24, às 14 horas, em evento no Museu da Casa Brasileira.

Caixa de livros contém oito volumes assinados por diferentes autores-personagens – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

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Gustavo Piqueira é dono de diversos prêmios internacionais de design gráfico, e é reconhecido por seus livros que misturam e testam os limites da expressão visual e textual. “Foi um percurso natural na minha produção. Considerando que gosto tanto das duas linguagens que ocupam um livro, tanto a escrita quanto a visual, chegou um ponto em que comecei a misturá-las e fui removendo as barreiras do processo tradicional.”
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Gosto de brincar com diferentes pesos para a parte gráfica, o design e o texto. Diferentes protagonismos, ordens de chegada distintas a cada projeto. Não dá pra dizer que um se sobrepõe ao outro. Em algumas situações, sim, mas nem sempre.

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Em
Oito Viagens ao Brasil, o impacto visual é muito forte, mas não é tudo. O autor discorre de diferentes maneiras sobre a história da iconografia no País. “Esse é um tema que me interessa, e em minha pesquisa percebi que pouco se fala sobre a relação entre as imagens feitas sobre o Brasil e os processos de produção editorial da época. Retratar essa história foi uma das ideias principais na origem do projeto, e outra foi o modo de fazê-lo: como autor, em cada volume me coloco de uma forma, em um só ilustro, e não escrevo; no outro, o contrário; um traz apenas fotografias, outro mistura imagem e texto. Mesmo o livro rasgado é uma forma de expressão autoral.”

Livro traz informações históricas sobre gravuras do século 16 – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

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O título da obra faz referência ao clássico Duas Viagens ao Brasil, do explorador alemão Hans Staden (1525-1576). Em seu livro, Staden relata suas experiências no País, com destaque para os nove meses que passou em cativeiro em Ubatuba com uma tribo de índios tupinambás, que o pouparam de seus rituais antropofágicos pelo fato de não ser português, povo que consideravam inimigo. Como resultado, as cenas de canibalismo e da rotina dos nativos presenciadas pelo explorador foram transformadas em gravuras como a que ilustra a caixa que guarda os oito livros, e que deram ao Velho Continente as primeiras ideias do que era o Brasil.

Volumes trazem textos originais do explorador Hans Staden junto a gravuras e fotografias – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

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Mais que uma referência, os próprios escritos de Staden são incluídos nos volumes 3 e 6 de
Oito Viagens ao Brasil, o que configura outra característica da obra: a mistura da ficção com textos e gravuras históricos. Na ficção, o personagem Arthur Junior introduz, no volume 1, os motivos que o levaram a embarcar na pesquisa e as razões de ter chegado a um resultado tão volumoso: uma epifania que o levou a cavar fundo em busca de suas origens, até chegar aos primeiros relatos sobre sua terra, justamente aqueles feitos pelo navegador alemão, que o fascinaram.

Obstinado, o autor-personagem busca especialistas, como a professora Neide F. Aveloni, que assina o volume 2, para dar respaldo ao trabalho organizado por ele. Após muitas recusas, percalços e concessões de Arthur Junior em relação a suas ambições iniciais, ele narra, em meio à pesquisa e aos textos históricos, como o que deveria ter sido quatro viagens ao Brasil tornou-se oito, e como a participação de intelectuais acabou tendo que ser substituída por fotografias amadoras de Ubatuba, montagens e desenhos malfeitos.

Gravuras baseadas nas cenas vistas por Hans Staden em suas viagens ao Brasil – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

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“Usei vários tipos de narrativas no livro: textos originais de Hans Staden, a escrita insegura do organizador, o Arthurzinho, a contribuição com autoridade da professora Neide. Mesmo nos trechos ficcionais, os fatos históricos narrados são reais, fruto da pesquisa que fiz para o projeto”, explica Gustavo Piqueira. “A ideia é pegar o Arthurzinho como um personagem que tenta descobrir o Brasil, tenta entendê-lo, mas os colaboradores de seu trabalho acabam apenas desconstruindo-o. Acaba sendo uma busca de araque, algo que acho que reflete um pouco o Brasil de hoje.”

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Acervo da Brasiliana

Boa parte das gravuras que ilustram o livro Oito Viagens ao Brasil veio do acervo da Biblioteca Brasiliana, de acordo com Gustavo Piqueira. O analista de comunicação da biblioteca e professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, Plinio Martins Filho, conta que já havia trabalhado com o artista. “Estabelecemos uma parceria para este primeiro projeto editorial da biblioteca, fornecendo ao Gustavo o que ele precisava para sua pesquisa e para o design gráfico que concebeu.”

Hans Staden passou nove meses em cativeiro com os tupinambás, e as cenas de canibalismo que presenciou inspiraram gravuras – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

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Segundo o professor, a singularidade do trabalho de Piqueira foi um estímulo à parceria. “Ele é incapaz de fazer dois livros iguais, há sempre muita criatividade envolvida no seu trabalho autoral, tanto na parte gráfica quanto no texto. É isso que buscamos para a produção editorial da Brasiliana.”

Gustavo Piqueira, artista e autor da obra Oito Viagens ao Brasil – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

A partir deste primeiro livro publicado com o selo BBM, Plinio Martins Filho adianta que a ideia é lançar a série de álbuns Imagens da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, com imagens do acervo da biblioteca feitas por viajantes como o próprio Hans Staden, que ilustrem como diferentes exploradores enxergaram e retrataram as diversas regiões do Brasil ao longo do tempo. “Temos muitas pinturas e gravuras feitas no Rio de Janeiro, na Amazônia, uma coleção sobre símios e macacos. Nossa intenção é reunir isso em um material de alta qualidade, publicações especiais, bem acabadas e editadas, artigos para bibliófilos mesmo, como é este livro do Gustavo Piqueira”, explica.

Queremos dar vida à biblioteca. Como ela serve muito à pesquisa, temos que divulgar nosso acervo para atrair mais pesquisadores, e vamos fazer isso por meio dessas publicações. Vamos começar a produzir também uma revista da Brasiliana, para anunciar esses lançamentos.
Plinio Martins Filho, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA)

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O lançamento da caixa de livros
Oito Viagens ao Brasil será neste sábado, dia 24, às 14 horas, no Museu da Casa Brasileira (Avenida Brigadeiro Faria Lima, 2.705, Jardim Paulistano, em São Paulo). O evento será parte da abertura da exposição Primeiras Impressões: O nascimento da cultura impressa e sua influência na criação da imagem do Brasil, que traz gravuras como as presentes no livro de Gustavo Piqueira. A exposição fica em cartaz até 6 de agosto, com entrada gratuita.

Oito Viagens ao Brasil, de Gustavo Piqueira, coedição da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin e Editora WMF Martins Fontes, 832 páginas, R$ 80,00 (no lançamento no Museu da Casa Brasileira, a caixa será vendida com 50% de desconto).
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