Em Somente o Necessário, a interação do público com a obra cria novas camadas de história, de acordo com o artista Marcelo Zocchio – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

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O ambiente austeramente habitado de Somente o Necessário (Marcelo Zocchio, 2017) é um choque para o visitante acostumado com exposições recheadas de informações, inchadas de obras que se acotovelam ao lado de textos explicativos e placas de informações. No terceiro andar do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, cinco objetos aparentemente triviais são acompanhados por cinco fotografias e outras cinco fotomontagens. Uma linha tracejada delimita o espaço da instalação e, ao mesmo tempo, suas interrupções regulares revelam o convite à interação.

Não faria sentido de outro jeito. Os objetos de aparente banalidade são os mesmos que o visitante encontra em sua própria casa. Três cadeiras, uma mesa, um cabideiro. É possível se sentar, pendurar o casaco, deixar a bolsa sobre a mesa. “Para mim, sempre foi um pouco incômodo não poder tocar nas obras”, conta Zocchio. “Aqui, parte da obra é um objeto útil, tem essa mistura que eu acho interessante. O que é objeto, o que é obra, pode tocar, não pode tocar? É como se você entrasse na obra, fizesse parte dessa historinha que tem aqui.”
Todos os objetos de Somente o Necessário foram construídos a partir de madeiras recolhidas de caçambas e ruas da cidade de São Paulo. O procedimento faz parte do cotidiano de Zocchio, que divide o tempo entre a criação artística e o trabalho em sua marcenaria comercial. Essa integração pode ser vista em obras anteriores, como Utilidades Domésticas e Segunda Mão.

“Essas séries”, comenta, “são descrições do processo que eu realizo na marcenaria: a coleta de material reaproveitado, descartado pela sociedade, e a transformação desse material. Aqui, eu levanto a questão das sobras. Na Utilidades Domésticas crio relevo na foto para salientar o objeto que eu fiz e na Segunda Mão procuro falar sobre a origem do material.”
Na instalação atual, Zocchio buscou tábuas e pranchas nas dimensões as mais exatas possíveis para, assim como o urso Balu, de Mogli, usar “somente o necessário”. O trabalho artesanal das peças salta aos olhos, mas a provocação acontece mesmo quando as imagens completam a história proposta pelo artista.
Na primeira sequência de fotos, as tábuas que serão usadas em cada peça aparecem em sua oficina, ainda em estado bruto. Nas fotomontagens, o registro do espaço vazio da oficina ganha a colagem dos restos não utilizados nos objetos. O resultado são “obras-fantasmas” em diálogo perturbador com a materialidade utilitária.

A composição passado-presente joga o espectro da ausência sobre as cadeiras, mesa e cabideiro. O visitante pode ver e sentir sua tridimensionalidade, mas o descartado é impelido da oficina vazia para os corpos e altera o olhar sobre os objetos. Restos abandonados pelas ruas ressuscitam, não sem deixar vestígios, e contra sua invisibilidade Zocchio ata-os à fotografia, numa colagem à base de ectoplasmas.
Somente o Necessário fica em cartaz até 26 de novembro, às terças-feiras das 10h às 21h e de quarta-feira a domingo, das 10h às 18h, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP (Avenida Pedro Álvares Cabral, 1.301, Ibirapuera, em São Paulo). Entrada grátis.

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