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Inovação é uma palavra que precisa de sentido e direção. Antes de oferecer respostas, gera muitas perguntas. Na educação, o que ela significa? Incrementos tecnológicos, arquiteturas inesperadas, pedagogias de última geração? Para que inovar? Em busca de quê? Com que parâmetros se pensa, se implementa e se avalia uma experiência inovadora nas escolas?
Soluções – e novos questionamentos – para essas pautas compõem o relatório de atividades do ciclo de seminários Educação básica brasileira: dificuldades aparentes, desafios reais. O texto, elaborado por pesquisadores associados ao Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, sintetiza as principais contribuições de cinco encontros realizados pela instituição entre agosto de 2017 e março de 2018, conforme divulgado pelo Jornal da USP (leia aqui). O debate sobre as experiências inovadoras no âmbito escolar foi o mote do quinto e último seminário.
Conforme o texto, o encontro procurou superar a visão de que o sistema educacional brasileiro é um fracasso, estimulada pelos resultados de avaliações periódicas nacionais e internacionais. “A generalização decorrente dos indicadores divulgados faz com que a aparência seja a de terra arrasada”, registra o documento. “Não existiriam boas escolas, ou seu número seria quase desprezível. Não é o que efetivamente ocorre.”
De acordo com o relatório, dentre as boas escolas estão aquelas com experiências que trazem conceitos, processos, estruturas e metodologias novos, capazes de mapear o interesse e a criatividade dos estudantes. Iniciativas que favorecem a participação de estudantes, professores, funcionários e familiares e criam ambientes de colaboração, transparência e descentralização também são sublinhadas no texto.
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Paradigmas
“O ponto de partida deve ser a tarefa ética da educação, que é garantir a aprendizagem de todos”, destaca o texto, citando o educador e idealizador da Escola da Ponte, em Portugal, José Pacheco, um dos participantes do seminário. “Só vale a pena a inovação que vem atender a essa tarefa. Ou, de outra perspectiva, é preciso inovar sempre que alguém estiver excluído do processo de aprendizagem.”
Segundo Pacheco, junto da inclusão, as exigências do tempo histórico também sinalizam por inovações. São essas demandas que colocaram em xeque, já no século 20, o “paradigma da instrução”. Fundado na centralização em torno da escola, ele se caracterizou por professores transmitindo conteúdos para um número grande de estudantes e o recurso a aulas, provas e seriações.
O “paradigma da aprendizagem” foi a força que desestabilizou os alicerces dessa antiga forma. Nele, os estudantes ganharam o centro do processo educativo, que se instaura a partir de seus interesses e necessidades. Entre os autores que contribuíram para essa renovação, além do próprio Pacheco, cuja Escola da Ponte se tornou uma referência com três décadas de existência, estão nomes como Florestan Fernandes, Darci Ribeiro, Nise da Silveira, Fernando Azevedo e Anísio Teixeira.
Hoje, outra imposição dos tempos pede inovação. Para os especialistas, é a hora do “paradigma da comunicação”, alicerçado na comunidade de aprendizagem. “Nela, o currículo é trabalhado em uma tripla dimensão”, explicita o relatório. “A primeira é a da subjetividade, que se refere às necessidades e desejos de cada um. A segunda, da comunidade, voltando-se para o seu desenvolvimento sustentável. A terceira é a universal, que nos possibilita ver que não estamos sozinhos no mundo.” Produção descentralizada do conhecimento e foco na relação educando-educadores são pilares dessas inovações.
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Inovação em Manaus
O documento destaca ainda iniciativas inovadoras que tiveram local em Manaus. Com 499 escolas, 415 urbanas e 84 que incluem escolas ribeirinhas e indígenas bilíngues, atendendo dez etnias e quatro línguas, a rede da capital amazonense abriga 242 mil estudantes. Lá, calendário e currículo ganharam novos significados através da valorização da cultural local.
“O sentido da inovação na Rede Manauara é o da educação integral, que propõe a integração dos diversos agentes a fim de garantir as condições para o desenvolvimento integral dos estudantes”, aponta o documento, citando a secretária de Educação de Manaus Kátia Schweickardt, que também esteve no seminário.
Tendo se tornado um projeto coletivo, essa inovação faz da integração sua palavra de ordem. Ela acontece primeiro com os próprios pais da comunidade. Em seguida, com outras secretarias municipais, como a da Saúde, a do Meio Ambiente e a da Cultura, combinando ações de promoção, campanhas e incentivo à participação de professores e estudantes em cursos e atividades culturais.
Atualmente, são cinco escolas que se orientam pela educação integral em Manaus. “Os professores se sentem mais realizados e os estudantes, protagonistas de seu aprendizado e participantes ativos da gestão e da comunidade”, registra o texto, citando Kátia.
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Propostas de inovação
Para que essas iniciativas se espalhem, o documento apresenta uma lista de tarefas, dentre elas a reorganização dos programas de formação de professores. Segundo o texto, estes deveriam promover a experiência da educação inovadora em sua própria estrutura. Com isso, os estudantes teriam acesso aos conhecimentos e aos processos de avaliação alinhados às teorias mais modernas sobre aprendizagem e educação.
O relatório também recomenda o fomento à autonomia das escolas, para que construam seus projetos político-pedagógicos. Indo além, indica a necessidade da criação de dispositivos que garantam a continuidade de projetos inovadores mesmo com mudanças de governo, situações nas quais reformulações e abandonos são constantes.
Sintonia entre atos administrativos e pedagógicos é outra proposta. A burocratização dos processos de participação da comunidade na construção, efetivação e avaliação dos projetos pedagógicos deve ser evitada, com mudanças na relação entre os órgãos superiores e as escolas.
Compete também às Secretarias da Educação, segundo o texto, valorizar as escolas que inovam, tornando-as polos de formação de suas redes. Elas seriam essenciais na formação inicial de professores, na formação continuada, na organização de seminários e na sistematização de novas práticas capazes de orientar políticas públicas.
Regulação, financiamento, avaliação, formação e trabalho dos profissionais da educação também precisam ser reorientados. Eles devem estimular a inovação, conforme o documento, “na medida em que atenderem às necessidades de garantir a aprendizagem a todos e forem coerentes com as demandas da sociedade atual”.