Nos anos 1910, a jovem Yolanda Penteado (1903-1983), vinda da elite agrária paulista, vive o cotidiano de uma cidade que ainda não é moderna. Segundo o historiador Nicolau Sevcenko, “São Paulo não era uma cidade nem de negros nem de brancos nem mestiços; nem de estrangeiros nem de brasileiros”. As famílias abastadas se conheciam, tinham negócios comuns e, acima de tudo, firmavam pactos e laços de amizade. Todos se conheciam, confirma Yolanda, e a impressão que paira é a de que todos são aparentados. À época, São Paulo é fechada e provinciana. As camadas sociais não se misturam; a alta sociedade circulava entre si, arrogando-se uma nobreza à parte de tudo e de todos. Uma elite que vive primeiro nos Campos Elísios, depois migra para Higienópolis.
Já na São Paulo modernista, entre os anos 1920 e 1930, ocorre uma confluência de povos e culturas advinda da imigração e da industrialização: são imigrantes abastados, tais como o empresário Francisco Matarazzo Sobrinho, assim como imigrantes operários que, saídos dos cafezais no interior paulista, retornam à cidade como mão de obra para a indústria emergente. Somem-se ainda: fazendeiros que administram suas fazendas a distância (cada vez mais envolvidos na rotina urbana), negros à margem do novo sistema de trabalho assalariado e novos imigrantes fugidos dos efeitos da Primeira Guerra Mundial. Assim, Yolanda convive com fazendeiros, empresários, intelectuais e artistas que, em primeiro momento, compõem essa elite paulista moderna.
Da provinciana São Paulo dos anos 1920, Yolanda, com suas as ações de mecenato e de incentivo às artes e à cultura, salta aos grandes centros artísticos, entre os anos 1940 e 1960 (Paris e Nova York, por exemplo). E, mais do que isso, ela protagoniza a institucionalização e a profissionalização da arte que irão garantir a inserção de São Paulo e, concomitantemente, do Brasil no circuito das artes internacionais até os dias atuais.
A exposição “Yolanda Penteado, a Dama das Artes de São Paulo”, que aborda a trajetória de Yolanda e o protagonismo da cidade de São Paulo, é um dos destaques da programação do Solar da Marquesa de Santos, que abriga atividades museológicas e a sede do Museu da Cidade de São Paulo.
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Yolanda Penteado era sobrinha de Olívia Guedes Penteado, baronesa do café e patronesse das artes de São Paulo na década de 1920. O fato de o Solar da Marquesa de Santos receber uma mostra dedicada a Yolanda Penteado é algo bastante simbólico, uma vez que são duas mulheres com atuações fortes e determinantes no cenário histórico nacional. A exposição dá um novo brilho à visita ao centro histórico de São Paulo.
Com Francisco Matarazzo Sobrinho, o Ciccillo, e Assis Chateaubriand, Yolanda transformou o cenário cultural brasileiro, criando instituições, incentivando o mecenato – que atrela arte moderna ao capital –, propiciando o intercâmbio de movimentos e artistas nacionais e internacionais e, sobretudo, contribuindo de modo fundamental para a profissionalização das atividades relacionadas às artes.
Casada com Ciccillo, ela teve importante papel na criação do Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo (1948) e na organização das Bienais de São Paulo, tendo participado diretamente da organização das duas primeiras mostras (1951 e 1953). Durante a organização da 1ª Bienal, Yolanda foi à Europa e aos Estados Unidos convidar pessoalmente os artistas e suas respectivas delegações. Sem os contatos sociais, a cultura refinada e o talento para relações públicas de Yolanda, a missão de convencer artistas como o francês Roger Chastel e o suíço Max Bill seria impossível. Eles não se aventurariam em um lugar desconhecido do mapa político e artístico como era São Paulo em 1951.
O sucesso da estreia contribuiu para o êxito da edição seguinte, que comemorava também os 400 anos da cidade de São Paulo. Yolanda foi responsável pela vinda da tela Guernica (1937), de Pablo Picasso. À época, era a primeira vez que esse trabalho saía do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA). Atualmente, a tela está no Museu Nacional Reina Sofia, em Madri, na Espanha, e dificilmente sairá de lá para ser exibida em outros países. Yolanda também trouxe, para aquela mesma bienal, obras de Piet Mondrian, Constantin Brancusi, Paul Klee, Edvard Munch e Georges Bratke, só para citar alguns nomes.
Aliada a Ciccillo, ela participou também de ações no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e na Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Em torno do casal Yolanda e Ciccillo gravitaram personalidades que converteram a provinciana São Paulo dos anos 1930 num centro econômico e cultural de inegável reconhecimento em todo o mundo.
Nos anos 1960, Yolanda intensificou sua colaboração com Assis Chateaubriand no Museu de Arte de São Paulo (Masp) e na implantação dos Museus Regionais (Olinda, Campina Grande e Feira de Santana). Ainda no mesmo período e já separada de Ciccillo, doou sua coleção de obras de arte particular e recursos ao Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP.
Todas essas ações da grande dama das artes Yolanda Penteado compõem a narrativa da mostra no Solar da Marquesa de Santos. Através de fotos, textos, documentos e depoimentos, o público pode conhecer seu percurso e refletir sobre a história das nossas instituições e sobre as condições que levaram a cidade de São Paulo a ser o atual centro artístico internacional.
A exposição “Yolanda Penteado, a Dama das Artes de São Paulo”, com curadoria de Marcos Mantoan e cocuradoria de Alecsandra Matias de Oliveira, fica em cartaz até 10 de dezembro de 2018, de terça-feira a domingo, das 9 às 17 horas, no Solar da Marquesa de Santos (Rua Roberto Simonsen, 136, Centro, São Paulo). Entrada grátis. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 3105-6118, ramal 103.
Alecsandra Matias de Oliveira, especial para o Jornal da USP
Alecsandra Matias de Oliveira, doutora em Artes Visuais pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, é especialista em Cooperação e Extensão Universitária da USP, membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA) e pesquisadora do Centro Mario Schenberg de Documentação da Pesquisa em Artes da ECA.