Obra de Frida Kahlo revela conflitos e busca de identidade

Vida da artista foi permeada pelo engajamento político de esquerda e pelo envolvimento em lutas sociopolíticas

 03/05/2017 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 20/06/2018 as 10:46

Frida Kahlo fotografada em 1937 para a revista Vogue – Foto: Toni Frissell / Domínio Público via Wikimedia Commons

A polêmica pintora mexicana Frida Kahlo hoje é exemplo e símbolo dos movimentos pelos direitos das mulheres, mas a tragédia e a dor marcaram a vida de Frida (1907-1954) que, aos 18 anos, sofreu um acidente que a deixou com limitação física e impossibilitada de ser mãe. Sua vida também foi permeada pelo engajamento político de esquerda e pelo envolvimento em lutas sociopolíticas, “filha do México revolucionário, de ascendência mestiça e a sequela da poliomielite contraída na infância”. Após rápida apresentação de algumas considerações de estudiosos sobre a obra de Frida Kahlo, Simone Rocha de Abreu, em seu artigo publicado na Revista USP, apresenta sua “chave crítica” para entender as obras da pintora – a busca interior incessante, e é a partir dessa chave que a autora se dedica às leituras das obras de Frida.

Fachada de A Casa Azul, residência de Frida e de seus familiares – Foto: Thelmadatter / Domínio Público via Wikimedia Commons / CC

Casada com o pintor Diego Rivera, a artista sempre assumiu posturas polêmicas e declarações que, muitas vezes, rotularam sua pintura como ingênua. Mas Rivera, segundo Simone R. de Abreu, “chama Frida de pintora superior, não reduz sua arte a ilustrações biográficas nem dá ênfase à sua extravagante personalidade ou ao casamento. Ao invés disso, ele enfatiza suas deliberadas alusões à arte popular mexicana”. Muitos estudos sobre Frida são mais focados em sua biografia e personalidade do que em sua produção artística, sobretudo depois de seu falecimento, talvez porque a vida de Frida seja a chave para sua arte, “seguindo dois eixos principais: as doenças físicas e o tumultuado casamento com Rivera”. A experiência de sua trajetória dá o tom em sua obra, adquire vida própria e apodera-se da artista.

 

Jardim do museu A Casa Azul, residência em que Frida passou a infância e morou de 1939 até sua morte, em 1954 – Foto: Anagoria via Wikimedia Commons / CC BY 3.0

A obra de Frida Kahlo revela uma busca interior incessante, “apresentando-se com diversas identidades, e, nessa busca, pinta fábulas sobre as suas origens”, mostrando um ser em conflito, envolto em contradições e sentimentos opostos, assumindo tanto a identidade europeia quanto a mexicana. Na obra Mi Nacimiento, a imagem impressionante da mulher que dá à luz, sem nenhum indício de afeto maternal, deixa uma dúvida: é de vida ou de morte que se está falando? Para a autora, “recém-nascido, corpo-mãe e mater dolorosa” […] estão “fragmentados”, e fica claro que “não há celebração nessa assombrosa imagem de mulher como mãe”.

Máscara da morte de Frida em sua cama, na Casa Azul – Foto: Anagoria via Wikimedia Commons / CC BY 3.0

Se, em Mis Abuelos, Mis Padres y Yo, Frida se declara mestiça e mexicana, em Retrato de Mi Padres ela se apresenta na figura do pai, como um ser repleto de vida. Simone Rocha de Abreu afirma que também são autorrepresentações as obras Mi Nacimiento, Mi Nana y Yo e Raíces , em que a primeira mostra “o vazio emocional que a memória da mãe evoca em Frida”, e as outras duas evidenciam sua metade indígena, pela qual a pintora busca uma integração, uma identidade concedida pela Mãe Terra, pelas plantas de seu país, com “as raízes e caules que passam por ela tal como a corrente sanguínea”.

Na obra Lo que el Agua me Dio, Simone R. de Abreu aponta a questão da fragilidade da identidade da artista “[…] sobre a água de uma banheira prestes a se esvair pelo ralo […] com uma fragilidade extrema de existência”, em contraste com a celebração da vida em Naturaleza Viva, que, por sua vez, contrasta com as palavras do diário da pintora mexicana: “Espero alegre a saída… e espero não voltar jamais… Frida”. Mas Simone procura esclarecer: “Mas a identidade não é isso mesmo, algo a ser constantemente construído?”

Simone Rocha de Abreu é professora do curso de Licenciatura em Artes Visuais da FMU-SP e crítica membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA) e do Fórum Permanente de Arte e Cultura da América Latina.

ABREU, Simone Rocha de. Frida Khalo: À procura de si mesma. Dossiê Democracia na América Latina. Revista USP, São Paulo, n. 109, p. 96-114, 2016. ISSN: 2316-9036. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/123146/119512. Acesso em: 22 dez. 2016.

Margareth Artur / Portal de Revistas da USP


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