Exposição reúne símbolos da diáspora africana

Mostra fica em cartaz até esta sexta-feira, dia 11, no Espaço das Artes da USP, na Cidade Universitária

 08/10/2024 - Publicado há 4 meses

Texto: Alícia Matsuda*

Parede com um cartaz cheio de palavras pendurado.
A exposição em cartaz no Espaço das Artes - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Sankofas, búzios, Nut e Oxóssi. Esses são alguns símbolos iconográficos da diáspora africana que estão na exposição Às Vezes o Universo Fala Onde os Caminhos se Encontram, em cartaz até esta sexta-feira, dia 11, no Espaço das Artes da USP, na Cidade Universitária, em São Paulo. A artista Laiani Gomes, estudante de Artes Visuais da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, fez a curadoria da mostra, que exibe 23 obras de autoria de Laiani e da colega de profissão Laixxmo, formada pelo Instituto de Artes (IA) da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). “A exposição faz parte de uma das minhas pesquisas, sobre simbologias africanas e afrodiaspóricas, com um projeto que eu estava montando sobre como fazer uma exposição e curadoria”, explica Laiani.

Para enriquecer a experiência dos visitantes da exposição, acontece nesta quinta-feira, dia 10, uma oficina aberta gratuita, sem necessidade de inscrição prévia. Para as atividades de Cosmovisões, Simbologia, Desenho e Memória, Laiani receberá o público, no Espaço das Artes, entre 14 horas e 15h30, assim como os alunos do primeiro ano do ensino médio da Escola de Aplicação da Faculdade de Educação da USP. Para essa dinâmica, a proposta da artista é que os visitantes exercitem a transposição de memórias por meio do desenho com diferentes materiais. Com isso, ela visa estabelecer diálogos sobre as simbologias africanas e afrodiaspóricas que aparecem nas obras expostas e ali produzidas.

Duas mulheres sentadas no chão.
Laiani e Laixxmo fizeram desenhos ao vivo durante a conversa com visitantes na abertura da exposição - Foto: Divulgação/Laiani Gomes

É a partir desses elementos que se estabelece o elo entre as duas artistas em exposição. A colaboração de Laixxmo, também arte-educadora, amplia os motivos trazidos por Laiani ao reverenciar o Egito Antigo como emblema da ancestralidade negra. A curadora afirma: “Convidei Laixxmo para expor porque os trabalhos dela têm diálogos com o meu em relação a essas simbologias. São duas pesquisas diferentes e anos diferentes: as obras dela foram feitas para o trabalho de conclusão de curso (TCC), que ela finalizou em 2021, mas também tem obras de 2017 a 2019, enquanto os meus trabalhos são mais recentes, de 2024”. Com organização, curadoria e expografia autorais, Às Vezes o Universo Fala Onde os Caminhos se Encontram é a primeira exposição de Laiani. Segundo ela, a parceria com Laixxmo foi fundamental no processo, já que suas semelhanças e diferenças adensam e dão plataforma de sustento às proposições uma da outra.

As duas artistas assinam em conjunto a obra Onde os Caminhos se Encontram, pendurada frente à claraboia da parede do Espaço das Artes, que reflete luz azulada por toda a sala. De um lado, o tecido foi pintado com um búzio, motivo presente em todas as obras de Laiani. De outro lado, o arco representa a deusa egípcia Nut, presente no trabalho de Laixxmo. A curadora explica que a peça é uma síntese do diálogo sobre as cosmovisões desse universo de simbologia. “Essa obra, a gente fez quase como uma performance. Cada uma fez uma parte e a gente pintou junto também. Justamente, colocá-la acima é pensar as coisas do céu e as estrelas como parte desse universo em que a gente se encontrou para dialogar em conjunto.”

Uma obra de arte feita com tecido azul pendurada no teto.
Obra feita com tecido de algodão e pigmento têxtil - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Esses símbolos surgem, de forma mais ou menos explícita, em todas as 23 obras que compõem a exposição. As conchas de búzios, por exemplo, estão incrustadas em quase todas as obras assinadas por Laiani (na parede do lado direito), mas por vezes aparecem com tons de maior sutileza, como na obra Apenas Uma Memória, exposta na entrada da sala. “Como a gente pode abstrair desses símbolos até chegar em outro lugar?” foi a pergunta que motivou a produção dessa obra, em que as conchas foram costuradas em um tecido de algodão tingido, o que a artista diz remeter à arte têxtil tradicional em países africanos. “A questão é abstrair em relação às cores e trazer mais os búzios de forma material mesmo. Nos outros quadros, eu fiz pintura e, neste, eu trouxe eles realmente como objetos.”

No conjunto das composições, as artistas tensionam os símbolos africanos em busca da abstração das memórias carregadas neles, deslocando os sentidos originais. “Laixxmo usa referências do Egito Antigo e resgata essa história como uma história negra, o que é muito apagado no meio da história da arte”, defende Laiani ao apontar a recorrência de Nut, deusa egípcia da noite, na exposição. A silhueta dessa figura forma um semicírculo, o que aparece também nos frequentes acenos ao arco e flecha de Oxóssi, um dos orixás do candomblé e da umbanda. É Nut, também, que traz o protagonismo dos tons de azul à exposição: sua pele estrelada evoca a escuridão da noite, o que persevera em toda a seleção. Com referências também ao mito egípcio de Osíris, o movimento das artistas visa à superação das cosmopercepções negras, que foram interrompidas continuamente pelo colonialismo, como explica Laiani Gomes.

Fotos: Marcos Santos/USP Imagens

Referindo-se às duas artistas que fazem a exposição, Iago Cerqueira, estudante da ECA e autor do texto curatorial da mostra, afirma que “ambas reenquadram diferentes elementos de suas vivências. No rearranjo das composições, os símbolos africanos e afrodiaspóricos participam como agentes de interferências, que oferecem outras plataformas de leituras para essas memórias, ao perturbar e deslocar os sentidos originais”.

A exposição Às Vezes o Universo Fala Onde os Caminhos se Encontram, organizada por Laiani Gomes, fica em cartaz até esta sexta-feira, dia 11, no Espaço das Artes (Rua da Praça do Relógio, 109, Cidade Universitária, em São Paulo). Entrada grátis.

*Estagiária sob supervisão de Roberto C. G. Castro

Cartaz com um céu escuro e estrelas.
Cartaz de divulgação da exposição - Design: Laiani Gomes
Cartaz com palavras escritas nele.
Cartaz de divulgação da oficina - Design: Laiani Gomes

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