Evento apresenta ao Brasil Pavel Florenskij, o “Leonardo da Vinci russo”

No dia 17, na USP, pesquisadores vão discutir a obra do sacerdote ortodoxo assassinado pelo regime soviético

 Publicado: 14/02/2025 às 10:29
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Homem usando batida e crucifixo.
Pavel Florenskij (1882-1937): pensador russo buscou a síntese entre a mística e a ciência – Foto: Wikimedia Commons

Teólogo, filósofo, matemático, físico, crítico de arte e inventor, Pavel Florenskij (1882-1937), apesar de pouco conhecido no Brasil, é considerado um dos maiores pensadores russos do século 20. Seu interesse e atuação em diversas áreas do saber, sempre no compasso entre a intuição mística e as leis da ciência, o fizeram ganhar o título de “Leonardo da Vinci russo”. Ele é o tema do evento Pavel Florenskij e as Cartas aos Filhos Desde os Gulags Soviéticos, que o Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP vai promover no dia 17, segunda-feira, a partir das 14 horas, com transmissão ao vivo pela internet (neste link).

Pavel Alexandrovich Florenskij nasceu em 21 de janeiro de 1882 em Yevlakh, atual Azerbaijão, então parte do Império Russo. Em 1899, o jovem estudante, criado em um ambiente não religioso, vive um episódio de despertar espiritual que o faz questionar os limites de sua formação racionalista. A partir daí, Florenskij procura desenvolver uma teoria que una ciência e espiritualidade com o auxílio da matemática, matriculando-se na Universidade Imperial de Moscou e depois na Academia Teológica de Moscou.

Interessado em filosofia, religião e artes, tem ideias que o situam no movimento simbolista russo. Sua principal obra, O Pilar e o Fundamento da Verdade: Um Ensaio sobre a Teodiceia Ortodoxa em Doze Cartas (tradução livre), nasce de trabalhos acadêmicos e é publicada em 1914. Anos antes, em 1911, Florenskij já havia se tornado sacerdote da Igreja Ortodoxa Russa.

Durante a década de 1910, Florenskij mantém atividades de ensino de filosofia, é editor-chefe do boletim teológico ortodoxo e produz artigos sobre matemática, teologia e filosofia da linguagem. Com a Revolução Bolchevique, em 1917, passa a colaborar com o plano estatal de eletrificação da Rússia. Apesar de suas visões filosóficas e científicas não o identificarem plenamente com o projeto comunista da União Soviética, não se impede de trabalhar para o Estado.

Ao longo dos anos 1920, Florenskij passa a se interessar pela história da arte, sem deixar de lado atividades científicas em outras frentes. Realiza pesquisas sobre isolantes elétricos, arte russa antiga e interpretações geométricas da teoria da relatividade de Albert Einstein. Durante todo esse tempo continua com suas obrigações no sacerdócio e chama atenção por frequentar as repartições públicas trajando a batina.

Suas posições religiosas, contudo, o levariam para o exílio pela primeira vez em 1928. Cinco anos depois seria preso novamente, acusado de conspirar pela instauração de uma monarquia fascista. Condenado a dez anos de trabalhos forçados por agitação e propaganda contra o regime soviético, é mandado para os gulags siberianos. É nesse período que escreve as cartas que serão tema do evento no IEA, no dia 17.

Pavel Florenskij seria fuzilado pelo regime stalinista quatro anos depois, em 8 de dezembro de 1937. Sua figura seria reabilitada pela União Soviética em 1956.

Inteligência múltipla

Organizado pelo Grupo de Pesquisa Tempo, Memória e Pertencimento, coordenado por Marina Massimi, professora sênior do IEA, o evento terá como convidado internacional L’ubomír Žák, professor da Faculdade de Teologia dos Santos Cirilo e Metódio da Palacký University, na Tchéquia. Participam também Gilberto Safra, professor do Instituto de Psicologia da USP e Márcio Luiz Fernandes, professor do Programa de Pós-Graduação em Teologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Paraná.

“Florenskij é um gênio a seu tempo, porque tinha as qualidades de uma inteligência múltipla, no sentido da complexidade do real”, afirma Márcio Fernandes. O professor explica que a intenção do evento será discutir as cartas que Florenskij escreveu para a família durante sua permanência nos gulags, os campos de trabalho forçado do regime stalinista. “Essas cartas são um verdadeiro tesouro do ponto de vista educativo, sempre com esperança para os filhos. Ele nunca dá a noção do desespero da situação de prisão, mas fala de liberdade e educa os filhos.”

Homem calvo e de óculos.
Márcio Luiz Fernandes, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Paraná, vai participar do encontro – Foto: Arquivo pessoal

O professor explica que Florenskij contemplava o mundo como conjunto, apreciando a complexidade do real. “Quanto mais nos aprofundamos no particular, mais encontramos o todo”, comenta. Para Fernandes, o autor traz em seus escritos muito de uma sensibilidade que a ciência atual perdeu. “É um gosto pelo real que é fascinante.”

No Brasil, Florenskij tem atraído atenção sobretudo no campo da psicologia. Segundo Fernandes, isso é explicado pela atenção à interioridade, à integridade e à dignidade humanas que seus escritos atestam. “Apesar de não ser um psicólogo, Florenskij tem um tipo de formação teológica e filosófica que está na origem da psicologia”, indica o professor.

O evento Pavel Florenskij e as Cartas aos Filhos Desde os Gulags Soviéticos acontece no dia 17 de fevereiro, segunda-feira, das 14 às 17 horas, no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP (Rua da Praça do Relógio, 109, Cidade Universitária, em São Paulo). Entrada grátis. Não é preciso fazer inscrição. O evento será transmitido ao vivo pelo site do IEA.


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