Economia criativa é destaque em seminário sobre cultura no Brasil

Reunidos na USP em 2 de julho, especialistas mostram que setor gera empregos, produz renda e promove a cultura

 05/07/2019 - Publicado há 5 anos
A secretária executiva de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, Cláudia Pedrozo, e o secretário especial de Cultura do Ministério da Cidadania, Henrique Pires (ao microfone), durante o seminário Faces da Cultura, realizado no dia 2 de julho no auditório da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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Em meio à crise que o Brasil atravessa, principalmente na área da cultura, há boas notícias: o Museu Paulista (MP) da USP, conhecido popularmente como Museu do Ipiranga, em São Paulo, será reinaugurado em 2022, como evento central das comemorações dos 200 anos da Independência, com recursos fornecidos pelo governo estadual e pela iniciativa privada, e a Fundação Casa Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, ganhará um novo prédio, que abrigará os cerca de 150 acervos da sua coleção, entre eles os de Carlos Drummond de Andrade e Pedro Nava. Outra novidade é que o Teatro Brasileiro da Comédia (TBC), na capital paulista, reabrirá sob a tutela do Sesc (Serviço Social do Comércio). Além disso, a economia criativa – os negócios baseados no capital intelectual e cultural – mostra ser uma ótima alternativa para gerar empregos e renda.

Essas boas-novas foram anunciadas durante o seminário Faces da Cultura, ocorrido no dia 2 de julho, na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP, na Cidade Universitária, em São Paulo. Realizado ao longo de todo o dia, o evento reuniu secretários municipais de Cultura, dirigentes de instituições ligadas ao setor, pesquisadores e professores da USP. O seminário foi promovido pelo Laboratório de Cultura, Informação e Sociedade (Lacis) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, em parceria com a Associação de Dirigentes Municipais de Cultura (Adimc).

O professor Luiz Augusto Milanesi, coordenador do seminário – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

“Nós perdemos o norte na área cultural”, disse ao Jornal da USP o professor Luiz Augusto Milanesi, da ECA, coordenador do evento, justificando a realização do seminário. “Sempre foi uma área polêmica, mas hoje todos estão buscando algum fio dessa meada”, acrescentou, ressaltando a importância do apoio da Admic, projeto que nasceu na USP e que reúne secretários de Cultura municipais.

Cultura como investimento

Uma das participantes do seminário Faces da Cultura foi a secretária executiva da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, Cláudia Pedrozo. Ela explicou o novo nome da antiga Secretaria de Cultura: “A cultura está em um momento de crise, e precisa de justificação. Precisamos mostrar que a cultura também é uma área de emprego e de renda. Aporte em cultura não é gasto, é investimento”. Cláudia ressaltou que política cultural está relacionada também com educação, saúde, segurança, turismo e desenvolvimento, citando como exemplo a redução da violência verificada no entorno dos Centros Educacionais Unificados (CEUs), além da baixa taxa de evasão escolar nesses estabelecimentos.

A secretária lembrou que, em São Paulo, a economia criativa responde por 3,9% do PIB (Produto Interno Bruto) e gera 330 mil empregos. No Brasil, ela representa 2,6% do PIB, equiparando-se à indústria farmacêutica. “A cultura ativa e o turismo estão cada vez mais relacionados”, disse Cláudia, citando como exemplo a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que tem custo de R$ 3,5 milhões e retorno de R$ 4,7 milhões, gerando mais de 1.300 empregos diretos e indiretos.

Cláudia reconheceu que, ao longo dos últimos anos, a cultura tem perdido parte do orçamento, mas, apesar disso, se mostrou otimista. Segundo ela, há um empenho do governo estadual em recuperar os recursos perdidos, e a economia criativa, em setores como moda, artesanato, gastronomia, design e principalmente games – um mercado em franca expansão -, vai contribuir para isso.

A cultura na esfera federal

O secretário especial de Cultura do Ministério da Cidadania – criado a partir da fusão de outros três Ministérios: Cultura, Esporte e Desenvolvimento Social –, Henrique Pires, também se esforçou para dar boas notícias para o público presente no seminário Faces da Cultura. Ele disse que o governo federal está reestruturando alguns instrumentos, como a lei de incentivos à cultura, o que gerará mais recursos para o setor.

Henrique Pires – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Na área de audiovisual, disse, o desafio atual é a formação de público. O Brasil produz cerca de 150 filmes por ano, mas a audiência para essas produções é pequena. Há um projeto, a ser implantado em um ano e meio, para dotar todas as salas de cinema do País com recursos de acessibilidade, como audiodescrição e libras, informou.

Pires acrescentou que está em andamento na Câmara dos Deputados um projeto para formar uma Frente Parlamentar em Defesa da Música. Segundo o secretário, as orquestras jovens não conseguem comprar instrumentos e antigas bandas e fanfarras precisam renovar seus instrumentos. Ao mesmo tempo, há uma crise na produção de instrumentos musicais no Brasil. Por isso, afirmou, está em andamento um estudo para tratar da cadeia produtiva da música.

Mas a grande novidade, disse, é a aplicação na cultura dos recursos advindos do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (multas decorrentes das infrações às normas de Defesa do Consumidor). Já no próximo mês de setembro, serão contemplados com esses recursos 29 projetos, distribuídos por todas as regiões do território nacional, aprovados pelo Ministério da Cidadania. Eles vão receber investimentos que totalizam R$ 200 milhões. Entre as instituições beneficiadas estão a Fundação Biblioteca Nacional, do Rio de Janeiro, o Museu Histórico Nacional, também no Rio, e o Teatro do Amazonas, em Manaus (AM).

O Itaú Cultural e o Sistema S

Eduardo Saron (à direita), diretor do Instituto Itaú Cultural – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

No seminário, o diretor do Instituto Itaú Cultural, Eduardo Saron, e o diretor do Serviço Social do Comércio (Sesc), Danilo Miranda, dividiram uma mesma mesa para abordar o gerenciamento da cultura no Brasil atual.

Na direção do Sesc desde 1984, Danilo Miranda questionou as ações do governo federal na área da cultura, como a extinção do Ministério da Cultura. “É um alerta que serve para outros pontos, inclusive o Sistema S”, disse, referindo-se à rede de nove organizações que oferecem treinamento profissional, assistência social e consultoria, como o Sesc, o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), o Sesi (Serviço Social da Indústria) e o Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio). “Cada instituição é diferente. São instituições muito complexas e que muitas vezes são colocadas como algo único.”

Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Danilo Miranda ainda ponderou sobre o lugar da cultura na sociedade. “Nossa vida inteira é um processo cultural de aprimoramento. A capacidade humana de fazer, de criar, de se envolver com tudo o que está em volta. As artes são a expressão mais completa disso”, destacou. “Trabalhar em favor disso é humanizar, transformar o ser no mais profundo possível. Não é utópico, é a realidade.”

Já Eduardo Saron abordou de maneira crítica a democratização do acesso à cultura. Para ele, é preciso ir além desse ideal de promover a cultura para todos. “O ir além é pensar na participação do público”, sugeriu. “Se não trouxermos as características da participação, continuaremos fazendo coisas pontuais.”

Ele apontou a cultura como um potencial de transformação de cenários adversos na formação educacional dos brasileiros. Citando dados de pesquisa feita pelo Instituto Pró-Livro e pelo Instituto Paulo Montenegro, disse que “somente 12% da população é proficiente em leitura, 1,2 a cada 10 alunos de ensino médio é proficiente em leitura e quatro a cada dez pessoas leem alguma coisa”.

“Nós, da arte e da cultura, não nos apropriamos do discurso da educação. E elas são capazes fazer da educação um maior poder de transformação. Teatro, artes visuais, música, literatura… Todas elas podem recuperar mais esses índices do que o ensino formal. E somos mais baratos”, ressaltou o diretor do Instituto Itaú Cultural.

Síntese dos debates

No final do seminário, o professor Eugênio Bucci, da ECA, coordenou uma discussão para sintetizar os debates ocorridos ao longo do dia. Ele leu o manifesto lançado por cinco ex-ministros da Cultura durante encontro no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, na manhã do dia 2 de julho (leia aqui).

Yacoff Sarkovas, consultor na área de projetos culturais, fez críticas às leis de incentivo à cultura. Ele leu na íntegra um artigo de sua autoria, publicado em 2008 no jornal O Estado de S. Paulo, intitulado “Por que insistir em um modelo insustentável?”. No texto, o modelo criticado é o de financiamento público por dedução fiscal. “Trouxe este artigo porque a situação hoje ainda é a mesma. Essa situação só se amplia. E a cultura não é a lei de incentivo.”

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Eugênio Bucci – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Yacoff Sarkovas – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Ricardo Abramovay – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Naomar de Almeida Filho – Foto: Marcos Santos/USP Imagens


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O professor Ricardo Abramovay, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), apontou perspectivas que devem ser seguidas, segundo ele. “Temos que dar incentivos nas periferias. O Estado tem que deixar de encarar as periferias como perigosas”, destacou. “Estamos promovendo um fantástico desperdício de talentos. Isso diz respeito também aos municípios e a uma cultura de incentivo à economia criativa.”

Naomar de Almeida Filho, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e professor visitante do IEA, chamou a atenção para a relação entre cultura e universidade hoje. “É preciso assumir a universidade como instituição de cultura. Ela faz parte da construção da identidade cultural e da identidade nacional.”

CLAUDIA COSTA E PEDRO EZEQUIEL


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