Abre a cortina pra nós dois
É bom viver assim
Sem ensaiar
Nem tente decorar
O que já foi
E o que virá
Abre a Cortina, canção que dá título ao novo disco de Dante Ozzetti e Luiz Tatit, “se refere à vida que, assim como o espetáculo, deve sempre continuar”, conforme explica Tatit. Lançado no último 22 de outubro, o álbum comemora os 25 anos da parceria entre os músicos. Com dez canções inéditas, a dupla trabalhou conjuntamente nas composições, enquanto Ozzetti é o responsável pelos arranjos e produção musical.
Segundo Tatit, que é também professor do Departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, a trajetória com o amigo pode ser classificada como uma parceria “silenciosa”. “Não fazemos muito alarde desse trabalho, mas percebemos, com o passar do tempo, que criamos um estilo em dupla”, afirma. Ele considera que seu estilo individual, no que diz respeito às melodias e letras de suas canções, é bem diferente do resultado das parcerias.
“O Dante traz um esmero rítmico e harmônico que me instiga a falar de assuntos que eu não falaria em minhas composições individuais. Em outras palavras, eu sinto que ele ‘abre a cortina’ da minha criação e isso é sempre enriquecedor. É uma coisa que deu certo. Depois de 25 anos já podemos dizer isso”, reflete o músico.
Tatit aponta que Abre a Cortina, antes de tudo, é um álbum que “enaltece a canção como um modo de dizer que faz com que as coisas ditas pareçam verdadeiras”. Nesse sentido, ele destaca as faixas Declaração, Quem me diz, Sobreviver e Sentimento é Assim. “Numa segunda leitura, o que entra em cena é a vida e as suas direções, ou seja, de onde viemos, para onde vamos (Já Estava Aqui) e mesmo no sentido de não poder desperdiçá-la (Ao Menor Sinal).” A própria faixa título, Abre a Cortina, se encaixa em tal interpretação.
O disco traz considerável apuro estético e técnico. “As composições foram elaboradas dentro da mais estrita compatibilidade entre melodia e letra, algo que já buscávamos em nossas parcerias há muitos anos. O Dante propõe linhas melódicas com caráter musical, mas, ao mesmo tempo, entoativo. Ou seja, por trás do tratamento sonoro que muitas vezes já vem modulado por sugestões de arranjo instrumental, com harmonia e ritmo bem definidos, suas melodias insinuam entoações de conversa típica do cotidiano. Isso facilita a criação da letra e o êxito da obra como canção”, diz Tatit. Esse caráter entoativo é também característico dos trabalhos do Grupo Rumo, fundado em 1974 e do qual Tatit é um dos integrantes.
Dante Ozzetti ainda cuidou dos arranjos finais e da gravação do disco, tentando preservar os projetos individuais de cada canção, conforme aponta o amigo. Tatit destaca também a mixagem de Ricardo Mosca e a atuação de outros profissionais da área técnica, “que viabilizaram o disco mesmo com as limitações demarcadas pela pandemia”; e exalta o projeto gráfico “extremamente requintado” da capa e do encarte, feitos por Gal Oppido. “São coisas que só se completam no formato do CD ou, eventualmente, do vinil”, acrescenta.
A maioria das faixas de Abre a Cortina é interpretada em dupla, por vozes diversas — dos próprios compositores ou de convidados especiais. “Além da Ná Ozzetti, artista necessária e onipresente em nossos trabalhos (temos a sorte de contar com toda a sua competência vocal e cancional), tivemos a oportunidade de convidar outro amigo, intérprete da maior envergadura, que é o Renato Braz.” Segundo Tatit, os dois garantiram uma “execução antológica” para a canção Sobreviver.
“Tivemos também Patrícia Bastos, cantora exímia bastante ligada aos discos produzidos pelo Dante, e Lívia Nestrovski que, além de dividir vozes com a Ná, ainda interpretou com sua xará Lívia Mattos uma canção circense que trouxe uma alegria especial para o disco, Duas Lívias”, comenta. “No âmbito instrumental, tivemos outras participações de destaque, como a do pianista Tiago Costa, que contribuíram decisivamente para o acabamento estético do trabalho.”
Tatit falou sobre o novo disco para a jornalista Heloisa Granito, da Rádio USP (93,7 MHz). Ouça a seguir:
A faixa favorita de Tatit é, no momento, Quem me Diz. “Me parece a mais gostosa de ouvir e cantar. O tema tratado tem um caráter utópico, mas delicadamente afetivo”, pensa o músico.
Quem me diz
Tudo que preciso ouvir
De um lugar pra viver,
Ser feliz ou então renascer
Quem me diz
É você
“Tenho dito que esse disco traz a canção mais alegre que já fiz, Ao Menor Sinal, e a mais triste, Sobreviver, ambas motivadas pelo encaminhamento melódico dado pelo Dante. Basta ouvi-las para entender a razão dessa escolha”, complementa.
Abre a Cortina foi composto, produzido e gravado durante a pandemia de covid-19. No entanto, o período não impôs tantos obstáculos ao trabalho, já que a parceria da dupla não depende de encontros presenciais, conforme explica Tatit: “Nosso modo de compor sempre foi a distância. O Dante me passa a melodia gravada e, assim que me sobra um tempo, eu componho a letra no meu estúdio e lhe devolvo a canção pronta, faltando apenas o arranjo e a definição do intérprete”. Para o músico, dessa forma, a paralisação das atividades regulares até favoreceu a realização do projeto, pela diminuição significativa de demandas em outras áreas de suas vidas.
O disco Abre a Cortina está disponível nas plataformas digitais de música. O CD físico pode ser adquirido na Loja Circus.