Nos últimos anos, apicultores e pesquisadores têm se preocupado com a diminuição da diversidade e população de abelhas, sendo que no Brasil, particularmente, são cada vez mais comuns episódios de mortandade desses insetos e de abandono de colmeias como consequência do uso extensivo de agrotóxicos. Mesmo em baixas concentrações, esses produtos químicos podem afetar o comportamento das abelhas, reduzindo seu tempo de vida e, consequentemente, evitando que elas façam seu nobre trabalho por mais tempo. Para os produtores de mel, por exemplo, identificar previamente se as abelhas estão expostas ou sendo intoxicadas por agrotóxicos é importante para a definição de estratégias que evitem prejuízos, como a transferência de colmeias para outro lugar.
No entanto, a determinação de agrotóxicos em matrizes biológicas, como no organismo de abelhas, é uma tarefa difícil de ser executada, já que geralmente os produtos se encontram em concentrações extremamente baixas. Isso faz com que, nos métodos convencionais, centenas ou até milhares de abelhas sejam sacrificadas para que os equipamentos consigam detectar os agrotóxicos, correndo ainda o risco de não encontrá-los. Para colaborar nesse sentido, pesquisadoras do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP desenvolveram uma nova técnica mais rápida, simples, barata e que exige quantidades bem menores desses insetos para que nanogramas de agrotóxicos sejam identificados nos tecidos de abelhas, no pólen presente nas colmeias e até mesmo no mel.
“Pensando na principal função da abelha, que é realizar a polinização, se nós tirarmos uma quantidade menor desses insetos da natureza para fazer esse tipo de avaliação será uma grande vantagem. O avanço que conseguimos vai possibilitar a substituição das técnicas tradicionais por alternativas mais amigáveis ao meio ambiente, reduzindo a mortandade de abelhas para as análises”, explica Ana Maria Barbosa Medina, doutoranda do IQSC e autora do trabalho.
Segundo a cientista, outro benefício que a nova técnica irá proporcionar ao meio ambiente é a redução da quantidade necessária de pólen para a detecção dos agroquímicos. No estudo, ela utilizou 150 vezes menos grãos de pólen para identificar os agrotóxicos abordados na pesquisa. Todos esses avanços, consequentemente, também possibilitaram que as análises ficassem mais rápidas e com menor custo, já que houve diminuição do uso de reagentes (cerca de 15 vezes menos produtos). A técnica pode ainda ser adaptada para detectar outros tipos de agrotóxicos e em outras espécies de abelhas.
“Com a utilização de pequenas quantidades de insetos é possível alertar a comunidade científica que esses agrotóxicos estão contaminando as abelhas e que medidas precisam ser tomadas. Em nosso estudo, conseguimos identificar concentrações menores (na faixa de ngL-1) de agrotóxicos que o método tradicional. O apicultor quer saber se o local onde ele tem as colmeias está expondo as abelhas à contaminação e, caso ele descubra cedo que os insetos estão sendo afetados, pode se mudar para outro local e evitar prejuízos financeiros. A ideia é fazer esse tipo de monitoramento utilizando menos abelhas”, explica Eny Maria Vieira, professora do IQSC e orientadora de Ana. A docente conta que a quantidade de agrotóxico que elas conseguem detectar é tão pequena que é como se elas encontrassem no meio de um trilhão de carros brancos um pontinho preto em um dos veículos.
Como funciona o método?
Para avaliar se há agrotóxicos no tecido das abelhas, as pesquisadoras seguem um protocolo. Resumidamente, elas coletam uma certa quantidade de abelhas que são trituradas e misturadas com acetonitrila (solvente), que é um composto orgânico. A mistura é agitada e alguns sais são adicionados. Todo esse processo faz com que os agrotóxicos, se presentes, saiam do tecido das abelhas e se juntem ao solvente, já que eles possuem grande afinidade pelo produto orgânico. Essa mistura passa por uma centrifugação que separa tanto os sais quanto as abelhas e permite que a parte líquida composta pelo solvente e os agrotóxicos seja retirada e colocada no cromatógrafo, equipamento que faz a separação dos produtos químicos e os envia para outro aparelho, o espectrômetro de massas, responsável por detectar e quantificar os agrotóxicos. Para reduzir a quantidade de insetos, reagentes e pólen necessária para a identificação dos compostos tóxicos, as pesquisadoras realizaram inúmeros testes com diferentes medidas até alcançarem as mínimas possíveis que viabilizassem a detecção.
O imidacloprida e o tiametoxam, ambos inseticidas da família dos neonicotinoides, foram introduzidos na década de 1990 e desde então seu uso vem aumentando ao longo dos anos. Mesmo banidos da União Europeia, eles estão entre os inseticidas mais utilizados nas plantações em todo o mundo, sendo aplicados em culturas de cana-de-açúcar, arroz, cereais, milho, girassóis, batatas, frutas, algodão, vegetais, entre outras. No Brasil, os dois produtos são autorizados para aplicação.
A Apis mellifera L., também conhecida popularmente como abelha “africanizada” ou “assassina”, é um poli-híbrido originário do cruzamento de abelhas europeias (Apis mellifera mellifera, Apis mellifera ligustica e Apis mellifera carnica) com africanas (Apis mellifera scutellata). Elas vivem em colmeias, que podem ser artificiais ou naturais. Em seu interior, as obreiras usam cera para construir os favos, onde armazenam mel e pólen para alimentar tanto as larvas como os insetos adultos. As fêmeas diferenciam-se dos zangões (machos) por possuírem ferrão.
Já a Tetragonisca angustula, também chamada jataí-amarela, é uma abelha social da família dos meliponíneos, de ampla distribuição no Brasil. Mede até quatro milímetros e constrói ninhos de cera em espaços ocos na natureza. Sem ferrão, tem o hábito de morder as pessoas e de se enroscar nos cabelos se for provocada, mas é considerada uma abelha dócil e de fácil manejo pelos produtores de mel.
Importância para a humanidade
Para desenvolver e comprovar a eficácia do método desenvolvido no IQSC, as pesquisadoras coletaram abelhas Apis mellifera L. de sítios e apiários do interior de São Paulo. Já para a validação e detecção da técnica em abelhas jataís, as cientistas obtiveram amostras de abelhas e de pólen no meliponário do Centro de Recursos Hídricos e Estudos Ambientais (CRHEA), da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, e de plantações de morango em Bom Repouso (MG). “Nós identificamos os dois agrotóxicos estudados no tecido das abelhas africanizadas. Já nas abelhas
jataís, nós detectamos o imidacloprida, que originalmente não é utilizado no morango, mas sim em culturas de batata e milho próximas da região. Isso comprova que as abelhas não procuram alimento em uma única fonte, viajando para outras regiões, com diferentes plantações”, explica Ana. Esse foi o primeiro estudo do mundo que identificou agrotóxicos em abelhas jataís.
A realização da pesquisa do IQSC contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).