Por Ana Fukui*
Três pesquisadores da Escola Politécnica (Poli) da USP simularam as conexões entre os neurônios que partem da coluna espinhal e comandam os músculos da perna responsáveis pelo tornozelo para mostrar como os sintomas da síndrome de Guillain-Barré evoluem. Os resultados obtidos mostraram que há uma perda de força progressiva e o tempo de resposta entre o impulso elétrico e o movimento coordenado aumenta em relação à uma pessoa saudável. Esse resultado abre possibilidades para o desenvolvimento de novos tipos de exames para alguns tipos de doenças neurológicas.
A síndrome de Guillain-Barré caracteriza-se por apresentar modificações na condução dos impulsos nervosos pelo corpo devido à perda da bainha de mielina dos axônios do sistema nervoso periférico e ter como principais sintomas uma fraqueza muscular nos pés e nas mãos, além da perda de sensibilidade. Esta doença foi escolhida por Marina Cardoso de Oliveira após um extenso levantamento para testar a verossimilhança de um modelo matemático multiescala “que envolve diferentes dimensões do corpo humano, tais como o movimento do pé, passando pelo músculos até o nível celular, com a condução de impulsos elétricos pelos neurônios. Para isso, os músculos são compreendidos como um sistema massa-mola e as células são pensadas como circuitos elétricos. E tudo isso é um sistema que se retroalimenta: o neurônio manda o estímulo para o músculo contrair e recebe uma resposta de como essa contração aconteceu para regular o próximo estímulo.” A pesquisa envolveu principalmente os neurônios motores, que coordenam o movimento.
Nos testes clínicos feitos por médicos, eles observam os músculos do pé, enquanto que a simulação feita no laboratório foi direcionada para a região da panturrilha, que controla a flexão e extensão plantar, responsáveis por acionar o pedal. Segundo Marina, já havia dados de experimentos feitos no laboratório da Poli em relação a este movimento em pessoas saudáveis e que foram essenciais para verificar se o modelo se aproximava da realidade. A simulação foi feita com parâmetros matemáticos da síndrome de Guillain-Barré, que atinge as conexões entre os músculos e os neurônios motores e mostrou um atraso na resposta do músculo e diminuição de intensidade.
O modelo matemático utilizado foi desenvolvido pelo professor Renato Naville Watanabe, da Universidade Federal do ABC (UFABC) durante seu pós-doutorado e também autor do estudo: “Já havia modelagem matemática que descrevia o funcionamento dessa região. Mas eram programas de computadores fechados, não dava para a gente inserir novas variáveis e ver o que acontecia. Assim, depois de várias tentativas, resolvi desenvolver tudo de novo de um jeito diferente, mais organizado e maleável. E deixei o código aberto, assim qualquer pessoa que se interesse pelo assunto pode interagir com esse programa e fazer novas simulações.”
O professor André Fábio Kohn, engenheiro, professor da Poli e orientador de Marina, estuda há muitos anos o corpo humano de maneira diferente da usual, isto é, como um sistema elétrico complexo. Seu trabalho envolveu o funcionamento da medula espinhal junto com os membros inferiores tanto em atividades experimentais como em simulações matemáticas. Como ele explica, ”atividades do dia a dia tais como andar, saltar, dirigir um carro são feitas pelos membros inferiores. Também tem o problema de equilíbrio do corpo para ficar em pé. Além disso, a modelagem para os membros superiores é mais complexa; tem mais músculos envolvidos e os movimentos são diferentes. Na região da perna que estudamos neste artigo estão envolvidos apenas três músculos.” A natureza interdisciplinar de suas pesquisas ligadas à neurociência trouxe ao laboratório pesquisadores das diferentes áreas da saúde e da engenharia.
*Ana Fukui é bolsista Mídia Ciência Fapesp/FMUSP
Mais informações: e-mail oliveiramarina23@gmail.com, com Marina Oliveira; renato.watanabe@ufabc.edu.br, com Renato Watanabe; e andkohn@usp.br, com André Fábio Kohn