Modelos matemáticos ajudam a desvendar síndrome de Guillain-Barré

Simulações que envolvem desde a célula até os músculos da perna descrevem sintomas iniciais de doença rara que leva à perda de força muscular

 30/11/2022 - Publicado há 1 ano
Foto: Freepik

 

Por Ana Fukui*

Marina Cardoso de Oliveira — Foto: Arquivo pessoal

Três pesquisadores da Escola Politécnica (Poli) da USP simularam as conexões entre os neurônios que partem da coluna espinhal e comandam os músculos da perna responsáveis pelo tornozelo para mostrar como os sintomas da síndrome de Guillain-Barré evoluem. Os resultados obtidos mostraram que há uma perda de força progressiva e o tempo de resposta entre o impulso elétrico e o movimento coordenado aumenta em relação à uma pessoa saudável. Esse resultado abre possibilidades para o desenvolvimento de novos tipos de exames para alguns tipos de doenças neurológicas.

A síndrome de Guillain-Barré caracteriza-se por apresentar modificações na condução dos impulsos nervosos pelo corpo devido à perda da bainha de mielina dos axônios do sistema nervoso periférico e ter como principais sintomas uma fraqueza muscular nos pés e nas mãos, além da perda de sensibilidade. Esta doença foi escolhida por Marina Cardoso de Oliveira após um extenso levantamento para testar a verossimilhança de um modelo matemático multiescala “que envolve diferentes dimensões do corpo humano, tais como o movimento do pé, passando pelo músculos até o nível celular, com a condução de impulsos elétricos pelos neurônios. Para isso, os músculos são compreendidos como um sistema massa-mola e as células são pensadas como circuitos elétricos. E tudo isso é um sistema que se retroalimenta: o neurônio manda o estímulo para o músculo contrair e recebe uma resposta de como essa contração aconteceu para regular o próximo estímulo.” A pesquisa envolveu principalmente os neurônios motores, que coordenam o movimento.

 

O modelo matemático elaborado representa a resposta do corpo de uma pessoa sentada pressionando um pedal. Os músculos da perna são equivalentes a um sistema massa-mola e os nervos da coluna equivalem a um circuito elétrico, ambos representados no centro da figura. A interação dos neurônios é mostrada no diagrama da esquerda, também em forma de circuito. Neste esquema, calculou-se o tempo de resposta ao pressionar o pedal de uma pessoa saudável e de outra com a síndrome de Guillain-Barré, que atinge diretamente a condução de estímulos neurológicos pelo corpo. Os resultados obtidos pela simulação mostraram que a doença leva a uma perda de força muscular e ao aumento do tempo de resposta ao comparar com pessoas saudáveis — Arte: Felipe Fava de Lima

 

Renato Naville Watanabe – Foto: Reprodução/Youtube

Nos testes clínicos feitos por médicos, eles observam os músculos do pé, enquanto que a simulação feita no laboratório foi direcionada para a região da panturrilha, que controla a flexão e extensão plantar, responsáveis por acionar o pedal. Segundo Marina, já havia dados de experimentos feitos no laboratório da Poli em relação a este movimento em pessoas saudáveis e que foram essenciais para verificar se o modelo se aproximava da realidade. A simulação foi feita com parâmetros matemáticos da síndrome de Guillain-Barré, que atinge as conexões entre os músculos e os neurônios motores e mostrou um atraso na resposta do músculo e diminuição de intensidade.

O modelo matemático utilizado foi desenvolvido pelo professor Renato Naville Watanabe, da Universidade Federal do ABC (UFABC) durante seu pós-doutorado e também autor do estudo: “Já havia modelagem matemática que descrevia o funcionamento dessa região. Mas eram programas de computadores fechados, não dava para a gente inserir novas variáveis e ver o que acontecia. Assim, depois de várias tentativas, resolvi desenvolver tudo de novo de um jeito diferente, mais organizado e maleável. E deixei o código aberto, assim qualquer pessoa que se interesse pelo assunto pode interagir com esse programa e fazer novas simulações.”

André Fábio Kohn – Foto: Arquivo pessoal

O professor André Fábio Kohn, engenheiro, professor da Poli e orientador de Marina, estuda há muitos anos o corpo humano de maneira diferente da usual, isto é, como um sistema elétrico complexo. Seu trabalho envolveu o funcionamento da medula espinhal junto com os membros inferiores tanto em atividades experimentais como em simulações matemáticas. Como ele explica, ”atividades do dia a dia tais como andar, saltar, dirigir um carro são feitas pelos membros inferiores. Também tem o problema de equilíbrio do corpo para ficar em pé. Além disso, a modelagem para os membros superiores é mais complexa; tem mais músculos envolvidos e os movimentos são diferentes. Na região da perna que estudamos neste artigo estão envolvidos apenas três músculos.” A natureza interdisciplinar de suas pesquisas ligadas à neurociência trouxe ao laboratório pesquisadores das diferentes áreas da saúde e da engenharia.

*Ana Fukui é bolsista Mídia Ciência Fapesp/FMUSP

Mais informações: e-mail oliveiramarina23@gmail.com, com Marina Oliveira; renato.watanabe@ufabc.edu.br, com Renato Watanabe; e andkohn@usp.br, com André Fábio Kohn


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