Mãe de jovem autista pesquisa comorbidades relacionadas ao distúrbio

A pesquisa faz parte do projeto Fada do Dente, que procura entender os mecanismos biológicos envolvidos no autismo

 18/07/2016 - Publicado há 8 anos
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Anita Brito e o seu filho Nicolas Brito Sales - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Anita Brito e o seu filho Nicolas Brito Sales: graças ao empenho da mãe, ele saiu do grau severo do autismo para o moderado – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A história de vida da doutoranda Anita Brito e as pesquisas sobre autismo na USP se entrelaçam. Formada em língua e literatura inglesa, a pesquisadora mudou sua trajetória profissional para buscar conhecimento nas ciências biológicas a fim de compreender o abismo que vivia seu filho autista. Hoje, divide seu tempo entre os cuidados com Nícolas Brito Sales, de 17 anos, e os trabalhos no Laboratório de Células-Tronco da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP.

A pesquisa de Anita é um desdobramento do projeto Fada do Dente, um trabalho científico que visa a entender os mecanismos biológicos existentes por trás do autismo. Por meio do recebimento de dentes de crianças com o distúrbio neurológico de todo o Brasil, as pesquisas usam a polpa do dente, de onde são extraídas células que são transformadas em células-tronco, semelhantes às embrionárias, e que, posteriormente, são diferenciadas em neurônios. São realizados estudos das características desses neurônios para identificar, por comparação, as diferenças estruturais entre as células de uma criança autista com células de uma criança sem o distúrbio.

Desejava saber o que acontecia com o Nícolas, que não falava e vivia em seu próprio mundo

Embora esteja no começo (teve início este ano), a pesquisa de Anita estará voltada para o aspecto comportamental. Ela pretende verificar a prevalência de comorbidades relacionadas ao autismo, como a hipotonia (enfraquecimento dos músculos) e a estereotipia (movimentos repetitivos), além da proposição de tratamentos adequados. Tanto a estereotipia como os movimentos repetitivos atrapalham a qualidade de vida dos autistas, que são estigmatizados pelo comportamento que apresentam. Grande parte dos pacientes tem uma motricidade perturbada por movimentos repetitivos. Os mais comuns envolvem mãos e braços que são movimentados na frente dos olhos. Ficam em agitação constante e andam nas pontas dos pés. Fazem balanceio do tronco e do corpo inteiro ou batem palmas independente do momento ou do espaço em que se encontram.

O autismo ou Transtorno do Espectro Autista (TEA) se caracteriza por grave distúrbio de desenvolvimento mental, afetando principalmente a capacidade de interação social e de comunicação. O diagnóstico é feito pela observação dessas manifestações por volta dos dois ou três anos de vida. O de Nícolas foi fechado somente quando ele tinha cinco anos. Antes disso, Anita conta que foi uma das piores fases de sua vida. Por não saber exatamente o que o filho tinha, viveu a saga de hospitais em hospitais à procura de ajuda. Foram infindáveis consultas a médicos, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, além de outros profissionais. “Desejava saber o que acontecia com o Nícolas, que não falava e vivia em seu próprio mundo.”

Convívio entre mãe e filho autista

Obstinada por ver o filho bem, Anita buscou conhecimento sobre o assunto em todos os lugares que podia encontrar: consultórios, livros, artigos, redes sociais, amigos e ONGs. Aos poucos, foi se inteirando sobre o problema e, com sua ajuda, Nícolas foi tendo evolução. Aplicou métodos próprios, ajudava-o em exercícios e oferecia-lhe estímulos. Os movimentos repetitivos e a dificuldade de comunicação a deixavam mais angustiada. Por ter o hábito de ficar nas pontas dos pés, por muito tempo, Nícolas chegou a sofrer fraturas.

Anita Brito faz doutorado na FMVZ e pesquisa sobre o autismo - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Anita Brito faz doutorado na FMVZ e pesquisa sobre o autismo – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Mas essa dedicação teve resultados positivos. Nícolas saiu do grau severo do autismo para o moderado. Hoje, dentro de casa, ele é totalmente independente, relata Anita. Tem controle dos movimentos do corpo, aprendeu a esquentar sua própria comida, a tomar banho sozinho e a arrumar seu quarto. “Nícolas sonha em se casar e ter sua própria família”, conta Anita. Com a evolução que alcançou, a mãe considera o desejo totalmente viável. Na escola, passou por um processo complicado de sociabilização, mas hoje Nícolas já terminou o ensino médio e tem se dedicado à fotografia. “É a profissão que ele quer seguir.” Nas pesquisas na USP, Anita acredita que a experiência que teve com Nícolas vá contribuir muito em seus trabalhos acadêmicos.

O projeto Fada do dente é coordenado pela orientadora de Anita Brito, a pesquisadora Patrícia Beltrão Braga, do Laboratório de Células-Tronco da FMVZ. As pessoas que tiverem interesse em enviar dentes para o projeto devem entrar no site para obter informações sobre as condições que devem estar os dentes para terem aproveitamento nas pesquisas. Além de pacientes com autismo, o projeto aceita doações de crianças sem doenças neurológicas para serem utilizadas no grupo controle. Anita utiliza o histórico comportamental da criança que acompanha o material doado para tabular os dados de seu trabalho.

Da área de Literatura, Anita aproveitou suas habilidades para escrever livros sobre o autismo. Um deles – Meu filho era autista – a história real de um garoto que nasceu autista e que aprendeu a viver em dois mundos – foi agraciado com o IX Prêmio Orgulho Autista.

Mais informações: www.projetofadadodente.org.br ou anitabrito@usp.br, com a pesquisadora Anita Brito


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