Linguística e neurociência se unem para entender os efeitos da metáfora no cérebro

Evento no IEA apresentou projeto que usa ressonância magnética para estudar repercussões da figura de linguagem em cegos e videntes

 Publicado: 03/07/2024     Atualizado: 04/07/2024 as 16:18

Texto: Gabriele Mello

Arte: Beatriz Haddad*

Foto: Mauro Bellesa/ IEA-USP

Um projeto multidisciplinar com a participação de pesquisadores do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP investiga os efeitos do texto em audiodescrição, mais especificamente da metáfora, na atividade neural de cegos congênitos (como são chamados quem perdeu a visão antes dos cinco anos) e em pessoas que não possuem deficiência visual. Coordenado pela linguista Maria Célia Lima Hernandes, o estudo teve início em 2022, em sua versão piloto, com a produção de imagens por ressonância magnética (fMRI) – técnica que é capaz de identificar atividade neural através de variação do fluxo sanguíneo no cérebro – de voluntários.

No último dia 28 de junho, o evento Crânios e Cérebros: Estudos Fora da Caixinha – Perspectivas e Recortes Científicos reuniu os cientistas do grupo e parceiros de áreas correlatas para discutir as produções científicas. Na ocasião, Everton Gondim, diretor técnico do Instituto Jundiaiense Luiz Braille e parte da equipe científica do projeto, explicou que pessoas com cegueira congênita são raras, por isso, o estudo realizou os testes iniciais em pessoas videntes, pessoas com baixa visão e as com cegueira tardia.

Em 2023, os pesquisadores encontraram um grupo que correspondia ao critério de cegueira congênita, em São José do Rio Preto. Os voluntários passaram pela fMRI e foram expostos a frases divididas em um gradiente com quatro grupos: não metáforas, metáforas equativas, metáfora cotidiana e metáforas com gatilhos mentais. Respectivamente, das que possuem reconhecimento mais fácil para o mais difícil.

“Agora temos mais pessoas, o projeto ficou mais conhecido. A partir do segundo semestre desse ano, a gente vai ‘para a máquina’ fazer os [novos] experimentos”, explica Maria Célia. “O evento foi construído para compartilhar o conhecimento de ideias que estão em curso. Nós não temos ainda os resultados finais”, completou a coordenadora, ao explicar que aquele era um momento de preparação para a edição do Congresso Sobre Linguagem e Cognição que acontece em novembro.

Maria Célia Lima Hernandes - Foto: Currículo Lattes
Maria Célia Lima Hernandes - Foto: Currículo Lattes

Por que metáforas?

Presente até mesmo no título do evento – Crânios e Cérebros: Estudos Fora da Caixinha  a metáfora gera um processo complexo no cérebro humano. “A habilidade [de interpretar uma metáfora] leva vários subdomínios a serem ativados; e esses subdomínios usam circuitarias particulares também”, explica Mariana Nucci, pesquisadora do Laboratório de Investigação Médica em Ressonância Magnética (LIM 44), do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).

Ela apresentou seu estudo em um painel juntamente com Hernán Joel Cervantes, pesquisador do Instituto de Física (IF) da USP. Cervantes mostrou as bases físicas do funcionamento da fMRI e o estudo que envolve produzir as imagens utilizadas. Já Mariana Nucci trouxe a aplicação com foco no processamento da linguagem pelo cérebro.

Os ouvintes da palestra puderam observar diferenças na exposição dos pacientes às metáforas. No caso de metáforas que caíram em uso popular, por exemplo, várias regiões do cérebro dos voluntários foram ativadas, mostrando que novas relações estavam se formando, baseadas no conhecimento prévio e familiaridade com a metáfora.

Do tempo de resposta à recontação da história

O Projeto Universal – Recursos Inferenciais na Metáfora Situada e Audiodescrição é um “projeto guarda-chuva”, ou seja, ele se desdobra em outros subprojetos. Por isso, o evento trouxe trabalhos desenvolvidos em parceria com pesquisadores.

Saulo Paulino e Silva, pesquisador da área de linguística, falou sobre o processamento de metáforas audiodescritas por cegos que perderam a visão antes dos cinco anos de idade e o fMRI, focando no tempo de resposta dos voluntários ao reconhecerem a metáfora, ou seja, no tempo em que ocorre o processamento daquela informação.

Já os gatilhos mentais causados pelas metáforas são o tema da pesquisa de Renata Vicente, professora na Universidade Federal Rural de Pernambuco, que avaliará se existem respostas diferentes entre cegos e videntes aos estímulos trazidos pelas metáforas. Já Mônica Santos, doutora em linguística, falou sobre a fase inicial de sua pesquisa, que trata do Braille na vida de mulheres que perderam a visão.

Cristina Defendi, professora do Instituto Federal de São Paulo, abordou a audiodescrição e a recontação de histórias. Sua pesquisa compara como cegos e videntes contam histórias após ouvi-las, e se o destaque dado é à temática ou às figuras que aparecem na narrativa.

Participantes do evento Crânios e Cérebros: Estudos Fora da Caixinha – Perspectivas e Recortes Científicos realizado em 28 de junho no IEA - Foto: Pedro Seno/Serviço de Comunicação Social - FFLCH USP

Hominínios e confabulação

Além dos integrantes do Projeto Universal, estiveram presentes no evento Edwiges Maria Morato, professora de linguística na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Walter Neves, pesquisador na área de paleoantropologia e vinculado ao IEA.

Durante a manhã, Walter Neves falou da pesquisa que desenvolve sobre paleoantropologia. O pesquisador trouxe crânios que demonstram a evolução do homem, lembrando que tamanho nem sempre importa. Quando se pensa em evolução, geralmente atribui-se as mudanças no homem ao aumento de seu cérebro, no entanto, Neves esclareceu que essa relação tem exceções.

Walter Neves trouxe crânios que demonstram a evolução do homem, lembrando que tamanho nem sempre importa. Réplicas de crânios: Cecília Bastos/USP Imagens

Os neandertais, por exemplo, têm mais espaço no crânio e, consequentemente, um cérebro maior em comparação aos primeiros Homo sapiens, mas nunca produziram nenhum conhecimento simbólico, como pinturas rupestres. Também o Homo florisiensis, descoberto na Ilha das Flores, na Indonésia, apesar do crânio bem pequeno, era capaz de lascar pedras – ação considerada um dos marcos na evolução do homem.

Edwiges Maria Morato falou sobre o tema da sua pesquisa de doutorado. “O meu trabalho é sobre confabulação, que estabelece relações entre o normal e o patológico, entre formas de estudar esse fenômeno em domínios científicos diferentes”, explicou a pesquisadora, destacando a importância da interdisciplinaridade na ciência. Para ela, eventos como este são muito importantes para dinamizar a agenda da ciência. “A integração de áreas de humanidades e outras áreas do conhecimento é fundamental para fazer as ‘caixinhas’ da ciência se movimentarem, e o conhecimento se tornar possível, mais complexo e eficaz”, finalizou a pesquisadora.

*Estagiária sob supervisão de Luiza Caires

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado 


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