Identificação de ancestrais em comum reescreve classificação das famílias de cupins

Nova classificação foi elaborada a partir de análises da evolução dos insetos, identificando ancestrais comuns para cada família

 Publicado: 19/09/2024 às 11:51

Texto: Redação

Arte: Beatriz Haddad**

A nova árvore da vida das famílias e subfamílias de cupins. Cada ramificação indica uma divisão entre famílias e subfamílias a partir de seu último ancestral comum. Ramos vermelhos são subfamílias que antes eram todas definidas como pertencentes à subfamília Termitinae (da família Termitidae), enquanto subfamílias dos ramos azuis eram anteriormente definidas como da família Rhinotermitidae. Fotos são cortesia: T. F. Carrijo, P. Eggleton, G. Josens, S. Hellemans, C. M. Kalleshwaraswamy, M. M. Rocha, R. H. Scheffrahn e J. Šobotník (Reprodução/Wikitermes)

Uma nova classificação para o nível de família dos cupins foi criada graças ao esforço de nada menos do que 46 pesquisadores de todo o mundo, inclusive do Brasil. Baseado em consenso de especialistas e extensas análises de dados sobre os insetos na natureza, o trabalho identificou ancestrais comuns a cada família e foi descrito em um artigo publicado na Nature Communications em 7 de agosto. A análise, em escala genômica, fornecerá uma base sólida para pesquisas sobre a atividade dos cupins no meio ambiente, onde desempenham funções importantes para os ecossistemas. Entre elas, participação no ciclo dos nutrientes nos solos, decompor materiais vegetais, aerar o solo, trazer nutrientes subterrâneos para superfície e permitir que a água infiltre em camadas mais profundas do solo – todas essenciais para a vida das plantas.

“Resolvemos a ambiguidade da classificação anterior com uma análise modular e muito robusta das famílias dos cupins”, diz Simon Hellemans, autor principal do artigo e membro da Unidade de Genômica Evolutiva do Instituto de Ciência e Tecnologia de Okinawa (OIST), no Japão. “Com este novo ‘dicionário’, temos uma base sólida a partir da qual podemos estudar a diversificação dos cupins e os papéis que desempenham em seus ecossistemas, bem como acomodar futuras descobertas.”

Embora possa ser fácil determinar como os chimpanzés e humanos são diferentes dos gorilas, determinar visualmente a diferença entre dois cupins pode ser mais difícil. Os pesquisadores, então, realizaram um estudo de taxonomia, que é a classificação científica de grupos (ou táxons) de organismos, disciplina antiga que fundamenta toda a biologia. “Se você quiser observar algo na natureza, precisa definir suas unidades de observação”, destaca Hellemans.

Simon Hellemans - Foto: Reprodução/Site Simon Hellemans

Por ser uma decisão humana, a classificação pode ser arbitrária, mas é uma categorização necessária que permite aos pesquisadores limitar o escopo de seu estudo e se comunicar claramente. Até a introdução do sequenciamento moderno de DNA, essas distinções eram geralmente feitas com base em análises morfológicas, pelas quais os organismos são classificados por suas características físicas e comportamentais, e dispostos com base em semelhanças.

Com o tempo, a subjetividade da análise morfológica levou a uma árvore genealógica (filogenética), confusa para classificar os cupins. Alguns deles se diversificam muito rapidamente, o que significa que essas espécies evoluíram mais rápido que outras. Ainda assim, apenas dez famílias distintas foram identificadas, o que levou a acomodar muitos animais morfologicamente distintos com relacionamentos evolutivos incertos.

Três termos são usados para descrever o relacionamento entre grupos de espécies: monofilia, polifilia e parafilia. Um grupo monofilético de espécies compartilha um ancestral comum e inclui todos os descendentes desse ancestral; grupos polifiléticos geralmente compartilham características comuns, mas não um ancestral comum; e grupos parafiléticos incluem um ancestral comum e seus descendentes, mas não todos. Após teoria de evolução ser amplamente aceita na biologia, e com o desenvolvimento da sistemática filogenétia, as classificações biológicas passaram a reconhecer apenas grupos monofiléticos, ou seja: organismos posicionados em árvores filogenéticas baseadas em ancestralidade compartilhada são aqueles que recebem um nome formal.

O problema com cupins, que é um grupo monofilético dentro da ordem das baratas, é que a classificação tradicional no nível de famílias e subfamílias ainda tinha uma grande quantidade de parafilia e polifilia, devido à confusão sobre os relacionamentos evolutivos.

Famílias

“Graças a extensas análises de dados e novos levantamentos morfológicos, conseguimos eliminar completamente a parafilia e a polifilia na árvore genealógica dos cupins nesse nível, dividindo as famílias e subfamílias que não eram monofiléticas”, explica o pesquisador do OIST. “Ao fazê-lo, criamos um sistema que pode acomodar efetivamente a descoberta de novas linhagens preservando, ao mesmo tempo, nomes históricos de família e subfamília. Isso é fundamental para fornecer uma nomenclatura estável de cupins. A taxonomia também é construída sobre registros históricos, por isso é muito importante.”

detalhe do centro da cabeça de dois cupins amarelos
Comparação da fontanela, a abertura no centro da cabeça que secreta um líquido defensivo, entre duas espécies de cupins – a espécie praga C. gestroi (esquerda) e a não praga D. longilabius (direita). Anteriormente, a família Rhinotermitidae incluía espécies com (D. longilabius) e sem (C. gestroi) um sulco estreito anterior à fontanela, mas essa inconsistência agora foi resolvida graças a análises filogenéticas, e espécies sem o sulco, como C. gestroi, foram retiradas de Rhinotermitidae. Fotos: Esquerda: Thomas Chouvenc, UF/IFAS. Direita: Simon Hellemans, OIST (Reprodução/Wikitermes)

Agora, toda família e subfamília dentro da nova árvore da vida dos cupins é monofilética, elucidando os relacionamentos evolutivos entre as espécies e grupos de espécies, e tornando significativamente mais fácil encaixar exemplares recém-descobertos ou reclassificados. A nova árvore também destaca a diversidade dos cupins, o que permite uma precisão muito maior em pesquisa e controle de pragas. Por exemplo, o Coptotermes gestroi, uma praga de cupim muito importante, era classificada na família Rhinotermitidae junto com espécies que não são consideradas pragas importantes, como Dolichorhinotermes longilabius e Rhinotermes marginalis, devido às suas semelhanças morfológicas e ecológicas. No entanto, estudos filogenéticos iniciais sugeriram que C. gestroi pode não ser intimamente relacionada a essas outras duas espécies, o que agora foi confirmado por meio de levantamentos filogenéticos e morfológicos mais avançados, que reclassificaram C. gestroi na família Heterotermitidae.

O trabalho para atualizar a árvore da vida dos cupins começou durante um simpósio no OIST em 2022, organizado pelo professor Tom Bourguignon, chefe da Unidade de Genômica Evolutiva. Nesse simpósio, a Unidade propôs uma estrutura para revisar a árvore da vida, que incluía pesquisas morfológicas e análises de dados alimentadas pelo supercomputador do OIST. Revisões filogenéticas de sistemas de classificação são frequentemente baseadas em um modelo de dados que pode levar semanas para um supercomputador calcular e, cada vez que um ajuste é feito, o processamento começa novamente. “Nossa classificação é baseada na convergência de 51 modelos, cada um dos quais levou cerca de duas semanas para calcular”, relata Hellemans. “Isso só foi possível graças ao Deigo, que nos permitiu executar as análises em paralelo”. Deigo é o nome do principal cluster de supercomputação operado pelas instalações do OIST (OIST Core Facilities), batizado com o nome da flor símbolo de Okinawa, e que está disponível para todos os pesquisadores do OIST.

Enquanto os pesquisadores usaram modelos computacionais para marcadores de DNA para determinar o relacionamento evolutivo entre as famílias, os modelos não levam em conta os hábitos dos cupins nem os papéis que desempenham em seus ambientes. Esse conhecimento foi fornecido pelos especialistas humanos que dedicaram suas vidas a um subconjunto de nosso mundo vivo e que têm uma familiaridade inestimável e científica com as espécies que estudam. “A filogenética não pode ficar sozinha”, enfatiza o pesquisador do OIST. “Mesmo que tenha sido difícil coordenar um projeto colaborativo desse tamanho, o novo sistema de classificação de cupins é maior do que a soma de suas partes. Com isso, temos uma estrutura muito mais sólida para o estudo desses importantes engenheiros do ecossistema”, conclui Hellemans.

No Brasil, a pesquisa teve a participação de Mauricio Rocha, Carolina Cuezzo, Joice Constantini e Eliana Cancello, do Museu de Zoologia (MZ) da USP, Tiago F. Carrijo, da Universidade Federal do ABC (UFABC), coordenador do projeto Wikitermes: E Cupim Serve pra Alguma Coisa? Também contribuíram com o estudo Reginaldo Constantino, da Universidade de Brasília (UnB), e Danilo Oliveira, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa).

*Texto: Okinawa Institute of Science and Technology (OIST), traduzido pelo projeto Wikitermes
*Adaptado por Júlio Bernardes e Tabita Said

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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