A maneira como os cientistas entendem os mecanismos que levam as pessoas a perceberem o espaço por meio da visão mudou com uma pesquisa que teve a participação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP. O estudo mostrou que o espaço visual é definido não só pelo julgamento e estimação do que é visto, mas também pela ação da pessoa no lugar em que ela se encontra. Os resultados da pesquisa vêm sendo aplicados nas áreas de visão computacional, aviação, trânsito, esporte, medicina e em estudos sobre a dor.
A pesquisa, que teve início na década de 1980, deu origem ao artigo Visual space perception and visually directed action, publicado em 1992. O professor José Aparecido da Silva, do Departamento de Psicologia da FFCLRP, que participou do estudo, relata que, até então, a maioria dos estudos sobre percepção visual do espaço apontava que as extensões espaciais percebidas eram moduladas pelo processamento das informações visuais disponíveis aos observadores.
Entretanto, Silva observa que as pessoas percebem as distâncias físicas como menores que são, mas quando são envolvidas ações motoras para avaliá-las, elas conseguem ser razoavelmente acuradas, principalmente no caso de distâncias menores que 30 metros do observador. “Por exemplo, ao pedir para várias pessoas observarem a que distância um objeto se situa no ambiente para estimar visualmente essa distância, elas tendem a subestimá-la”, conta. “No entanto, ao pedir para essas pessoas se locomoverem até o local onde está o objeto mesmo com olhos fechados, essas ações motoras tendem a ser acuradas, ou seja, muito mais precisas.”
Percepção e ação
O estudo formulou hipóteses para explicar a relação entre a percepção visual do espaço, a ação que depende dessa percepção, que não era levada em conta na maior parte dos trabalhos sobre o tema, e o grau de acurácia dessas ações. “Dos dados obtidos pode-se concluir que existem dois grandes mecanismos ou processos envolvidos na percepção do espaço”, ressalta Silva. “Um é estritamente ligado à percepção, julgamento, estimação do espaço percebido, e o outro, conectado à ação no espaço.” O artigo é assinado por Jack Loomis, José Aparecido da Silva, N. Fujita e Sérgio Fukushima.
De acordo com o professor da FFCLRP, o espaço visualmente dirigido é mais preciso e mais acurado do que o espaço visualmente percebido, estimado. “Os erros perceptuais são muito maiores quando o espaço é apenas verbalmente estimado do que quando se percebe o espaço após caminhar visualmente dirigido”, afirma. “Os erros neste último caso são pequenos e as estimativas visualmente dirigidas são independentes da distância física.”
Depois que o estudo foi publicado no Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance, ele passou a ser citado com frequência por pesquisadores que trabalham em percepção do espaço. “O grande desdobramento é que muitos estudos posteriores citaram nossa concepção teórica da decomposição entre espaço visual, estimado, e espaço visualmente dirigido, caminhado, com ação no espaço real”, aponta Silva.
Novos conhecimentos
Na edição de outubro de 2017 da revista, um editorial sobre os 125 anos de fundação da American Psychological Association (APA) ressaltou a importância da ligação ente pesquisas clássicas e atuais em percepção e ação, citando o artigo como um dos mais influentes na área ao servir de base para novos estudos. “Outras áreas do conhecimento tais como visão computacional, trânsito, esporte, mesmo estudos sobre a dor, em medicina, citam o estudo, especialmente focando a distinção entre percepção e ação no espaço”, observa o professor.
Os resultados da pesquisa têm sido frequentemente usados nos contextos da percepção do espaço, entre outras áreas, em aviação, psicologia do esporte e do trânsito. “Por exemplo, há evidências de que o acidente com Teori Zavascki foi provocado por desorientação espacial do piloto devido às condições ambientais de voo naquele momento”, diz Silva. “No esporte, eles são aplicados em detecção de impedimentos, percepção, distância e tamanho por parte dos árbitros, e no trânsito, na percepção de espaço nas ultrapassagens, espaços para estacionamentos, etc.”
Na FFCLRP, vários outros estudos foram realizados com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) utilizando ambientes naturais em pequena e em grande escala. “Os resultados têm mostrado, invariavelmente, que os mecanismos perceptuais responsáveis pela geometria do espaço visual são diferentes em pequena e em grande escala”, conclui o professor.
Mais informações: e-mail jadsilva@ffclrp.usp.br, com José Aparecido da Silva