Coronavírus usa armadilhas do sistema imunológico para espalhar infecção e destruir células

Aumento da quantidade de redes de DNA dos neutrófilos – as NETs – no plasma e em tecido pulmonar de pessoas infectadas pelo sars-cov-2 é indicador precoce de casos graves da doença, dizem pesquisadores

 17/09/2020 - Publicado há 4 anos     Atualizado: 13/06/2024 às 16:41
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Acesse o link para baixar o PDF – Foto: Fusion Medical Animation/ Unsplash – Gratuito

Ao ataque de microrganismos, células do sistema imune conhecidas por neutrófilos (tipos de leucócitos ou glóbulos brancos) lançam redes de material genético para capturar e matar os invasores. Essas redes formam as armadilhas extracelulares de neutrófilos, que os cientistas chamam de NETs (do inglês Neutrophil Extracellular Traps).

O que a ciência já sabe e, aparentemente, o sars-cov-2 também, é que as NETs não apenas destroem os vírus e bactérias invasoras, mas danificam os tecidos do órgão invadido, começando inflamações que podem resultar em diferentes doenças como a sepse (infecção generalizada). Por isso, pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP decidiram investigar a relação das NETs com o vírus da covid-19.

Foto: Flávio Protásio Veras

O estudo, desenvolvido pela equipe do Centro de Pesquisas em Doenças Inflamatórias (Crid), na FMRP, avaliou amostras de sangue, de material aspirado da traqueia e de tecido pulmonar, recolhidos de 32 indivíduos hospitalizados no Hospital das Clínicas da FMRP com diagnóstico de covid-19. Os resultados apontaram altas concentrações de NETs em todos os tecidos infectados pelo vírus. Mostraram ainda que o sars-cov-2 consegue manipular neutrófilos saudáveis para liberar suas redes de DNA.

Farmacologista Flávio Protásio Veras – Foto: Arquivo pessoal

Um dos responsáveis pela pesquisa, o farmacologista Flávio Protásio Veras, conta que o aumento de neutrófilos é um indicador precoce dessa forma grave da covid-19, já que as NETs, liberadas por esses neutrófilos, “participam das lesões pulmonares observadas em pacientes internados, em estado grave, por essa doença”. O pesquisador acredita que este fato ajude a explicar por que algumas pessoas desenvolvem uma resposta inflamatória excessiva, danificando os pulmões e causando a síndrome do desconforto respiratório agudo, que pode matar.

Os experimentos realizados em laboratório, infectando com o sars-cov-2 culturas de células saudáveis, confirmam a ação do vírus sobre os neutrófilos. O professor Fernando de Queiroz Cunha, líder da equipe do Crid, conta que assim pôde observar que o causador da covid-19 induz os neutrófilos a formar as NETs que, por sua vez, foram responsáveis pela morte de células epiteliais pulmonares. Com esta descoberta, o professor acredita que os pesquisadores estão diante de um marcador para casos graves da doença e sugere, como estratégia para amenizar seus danos aos órgãos atacados, o “uso de inibidores da síntese de NETs ou de promotores de fragmentação de NETs”. O tratamento proposto, no entanto, ainda precisa de mais testes para ser recomendado ao uso em doentes pela covid-19.

Foto: Flávio Protásio Veras

Além da ação das NETs, o artigo que o grupo acaba de publicar na revista Journal of Experimental Medicine ainda mostrou como o vírus consegue invadir e dominar os neutrófilos, induzindo-os a produzir as NETs. Cunha explica que o vírus utiliza duas enzimas, a enzima conversora de angiotensina (ACE2, do inglês angiotensin conversor enzyme 2, associada a doenças cardiovasculares) e a serino-protease TMPRSS2 (que fica na superfície celular e interage com a proteína S – Spike, do sars-cov-2). Segundo o pesquisador, essas vias de acesso aos leucócitos e o ciclo repetitivo viral “são cruciais para a liberação das NETs”.

Para os pesquisadores, o conjunto dos resultados obtidos na pesquisa explica o papel das NETs nas lesões pulmonares observadas na covid-19 e descreve os mecanismos moleculares que promovem a liberação das armadilhas pelas células de defesa do organismo, “ampliando o entendimento da fisiopatologia da covid-19 e tornando a NET um potencial alvo terapêutico”.

Mais informações: fdqcunha@fmrp.usp.br ou fprotasio@usp.br


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