Um grupo de estudos interdisciplinares da Faculdade de Educação (FE) da USP promove em escolas públicas do município de São Paulo atividades que incorporam as linguagens de manifestações como break, rap, teatro negro, capoeira, hip-hop nagô, versos e samba.
A iniciativa surgiu do encontro de estudiosos do movimento hip hop e dos ligados às culturas ancestrais, num diálogo que resultou em muito trabalho criativo, reafirmando o quanto estas culturas têm de saberes a serem transmitidos aos profissionais da educação e aos pesquisadores da Universidade.
Os resultados desta experiência, vivenciada no projeto O Ancestral e o Contemporâneo nas Escolas, são apresentados no livro Culturas Ancestrais e Contemporâneas na Escola (Alameda Editorial), lançado no último mês de agosto. A obra é organizada pelas professoras Mônica do Amaral, Rute Reis, Elaine Cristina Moraes Santos e Cristiane Dias.
As intervenções do projeto ocorreram nas escolas Saturnino Pereira, em Cidade Tiradentes, e Roberto Mange, no Rio Pequeno, ambas na periferia de São Paulo, com início em 2014, obtendo no ano seguinte o financiamento da Fapesp, na categoria de Políticas Públicas.
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Origens
Ao falar da experiência e suas contribuições para a educação, a professora Mônica conta que a docência compartilhada aconteceu com o artista e o professor planejando conjuntamente em sala de aula, “selecionando material musical, de dança dos rituais, como a capoeira, e articulando estes conhecimentos com a língua portuguesa, história, geografia, educação física, enfim todos os saberes formais que são veiculados pela escola, mas que se encontravam esvaziados da nossa cultura afro-brasileira”.
Para a educadora, a grande contribuição do projeto foi produzir este encontro entre as nossas origens, pondo em destaque populações como os afro-brasileiros e indígenas, que construíram as bases da nossa cultura, mas que são valorizados apenas eventualmente em datas específicas. Isto, diz ela, “não corresponde à verdadeira valorização que fazemos, no sentido de que é cotidiana”, trazendo os temas para formação dos jovens e articulando também no sentido de acrescentar novos conhecimentos para a escola.
Na sua avaliação, o resultado foi muito interessante também por proporcionar programas de aulas mais densos, além de servir de tema para teses e dissertações, culminando com o livro escrito por todos que construíram as docências compartilhadas. “Este livro traz tanto a história da construção da docência quanto estratégias didáticas, e relatos de ensino e dos resultados”, descreve ela sobre a obra, que foi prefaciada por Jamile Borges da Silva e publicada com apoio da Capes, da FE e da Fapesp.
“Uma das coisas mais belas que pudemos perceber foram jovens batucando, dançando, escrevendo, criando, e ao mesmo tempo desenvolvendo sua consciência crítica sobre a sociedade, tendo uma visão clara do porquê do preconceito e da discriminação”, relata Mônica. Isso, segundo a docente, os subsidia com recursos para, ao mesmo tempo, se defender e valorizar suas origens afro-brasileiras, indígenas, sua família, sua cor. “Eles tem que ter orgulho disso e não esconder, como alguns ainda o fazem”, defende.
Ela destaca ainda que o projeto vai ao encontro de todo um debate que vem sendo feito há algum tempo, sobre a necessidade da criação de uma epistemologia do Sul, afrocentrada e brasileira. “Como afirma Boaventura [de Sousa Santos], uma discussão que contribua para a decolonização do currículo.”
“Era preciso decolonizar mentes e corpos dos pesquisadores, dos professores e dos estudantes, para que a gente pudesse dar lugar a este conhecimento que hoje chamamos decolonial”, reflete.
Mestre Valdenor, especial para o Jornal da USP