Para verificar os efeitos do ácido úrico, pesquisadores utilizaram cultura de células de defesa do sangue mantida em laboratório e bactéria causadora de infecções hospitalares – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
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O ácido úrico prejudica a capacidade das células de defesa do organismo de reagir a infecções. A conclusão é de pesquisa feita no Laboratório de Pesquisa em Processos Redox na Resposta Inflamatória, do Instituto de Química (IQ) da USP. O estudo mostra que o ácido úrico, presente no corpo humano, diminui a produção do ácido hipocloroso, substância produzida por células de defesa do sangue, os neutrófilos, para destruir micro-organismos invasores. Com as defesas do organismo afetadas, aumenta-se o risco de infecções oportunistas. O laboratório integra o Centro de Pesquisa de Processos Redox em Biomedicina (Cepid Redoxoma), sediado no IQ.
Os neutrófilos fazem parte do conjunto de células de defesa do organismo, os leucócitos. “São células que circulam pela corrente sanguínea”, explica a professora Flávia Meotti, do IQ, que coordenou o estudo. “Quando uma bactéria invasora provoca a infecção em um tecido do corpo, uma sinalização faz os neutrófilos serem atraídos e migrarem para o local infectado. Os neutrófilos então englobam a bactéria e a destroem, num processo conhecido como fagocitose.”
No trabalho, foram realizados experimentos com a bactéria Pseudomonas aeruginosa. “Este micro-organismo normalmente não afeta pessoas saudáveis, mas por ser uma bactéria oportunista, provoca infecções em pacientes já debilitados”, conta Flávia. “A bactéria é uma causa comum de infecções hospitalares.”
Um dos processos realizados pelos neutrófilos após a fagocitose é a produção do ácido hipocloroso (o mesmo princípio ativo da água sanitária). “Ele é obtido a partir da reação de uma enzima, a mieloperoxidase, com o peróxido de hidrogênio (água oxigenada) e o cloro existentes no organismo”, descreve a professora. “O ácido hipocloroso reage com a bactéria, matando-a.”
Ácido úrico
Os pesquisadores já sabiam que o ácido úrico reage com a mieloperoxidase, diminuindo a produção de ácido hipocloroso e gerando radicais livres e outros oxidantes, como os peróxidos orgânicos. “Essa reação não é boa, porque esses oxidantes reagem com os componentes das nossas células do corpo e causam dano celular”, aponta Flávia. “Inicialmente, o estudo procurava saber se o ácido úrico, ao produzir radicais livres e peróxidos orgânicos, poderia ajudar os neutrófilos a matar as bactérias. Porém, encontramos o efeito oposto, ou seja, as bactérias sobreviveram mais.”
O ácido úrico no organismo é produto da degradação dos ácidos nucleicos (DNA e RNA) e somente 10% do que é produzido é eliminado pelos rins. “Ao contrário de outros mamíferos, os seres humanos não possuem enzimas que degradem o ácido úrico, possivelmente devido a uma adaptação da espécie para absorver mais sódio em uma época remota, onde a dieta dispunha de pouca quantidade de sal”, diz a professora. “Por essa razão, há um maior acúmulo de ácido úrico no corpo humano, o qual também pode causar, por exemplo, um tipo de artrite conhecida como gota.”
Para verificar os efeitos do ácido úrico, a pesquisa utilizou uma cultura de leucócitos sanguíneos mantida em laboratório. “A conclusão é que o ácido úrico não apenas aumenta o dano às células humanas como também atrapalha a atividade destas células contra infecções”, ressalta Flávia. O estudo é descrito no artigo Uric acid disrupts hypochlorous acid production and the bactericidal activity of HL-60 cells, de autoria de Larissa Carvalho, João Lopes, Gilberto Kaihami, Railmara Silva, Alexandre Bruni-Cardoso, Regina Baldini e Flavia Meotti, publicado na revista Redox Biology.
A pesquisa foi coordenada pelo Laboratório de Pesquisa e Processos Redox na Resposta Inflamatória do IQ, com participação do Centro de Pesquisa de Processos Redox em Biomedicina (Cepid Redoxoma), vinculado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e do Núcleo de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (NAP Redoxoma), ligado à Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) da USP. Os pesquisadores também tiveram apoio da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Mais informações: e-mail flaviam@iq.usp.br, com a professora Flávia Carla Meotti