Professor Marcelo Munhoz apresenta alunos do ensino médio ao acelerador Pelletron,
no Laboratório de Física Nuclear – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
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Nem só de altas energias e grandes descobertas da física de partículas vive o Cern, a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear, responsável pelo maior acelerador de partículas do mundo. A divulgação científica não é um trabalho extra, mas um dos pilares da atuação de pesquisadores de lá, com grande foco em educação. Um exemplo são as Masterclass hands on particle physics, voltadas a estudantes de ensino médio. O sucesso é imenso, mesmo com as dificuldades: alunos de escolas públicas distantes se encontram às 5 da manhã para entrar no ônibus e chegar às 10 horas à USP. Outros esbarram no inglês, necessário para a videoconferência realizada com cientistas estrangeiros, mas eles dão um jeito: escrevem as perguntas com antecedência, pedem para repetir o que não entendem – o importante é aproveitar a chance única.
O Cern é dividido em sete experimentos, com cientistas espalhados em diversos países – e todos eles organizam a atividade, com a proposta de fazer os alunos vivenciarem o mundo da pesquisa colocando a mão na massa. No Brasil, o Instituto de Física (IF) da USP organiza o encontro mais de uma vez por ano, para os dois experimentos com participação dos seus pesquisadores: o Alice e o Atlas. Alunos de escolas públicas e privadas passam um dia e meio na Universidade: primeiro, assistem a uma palestra sobre o Large Hadrons Collider (LHC) – acelerador que é sede dos experimentos do Cern – e fazem análise de dados. “Uma pequena amostra do que coletamos é disponibilizada e eles podem exercitar o que fazemos no dia a dia”, conta Marisilvia Donadeli, pesquisadora do IF atuando no experimento Atlas. “Também trazemos os alunos ao Laboratório de Instrumentação e Partículas, para que vejam os protótipos e tenham uma ideia como são gerados os dados”, diz ela. O roteiro é parecido para a masterclass relacionada ao Alice, incluindo a visita ao acelerador Pelletron, que fica no instituto – um dos pontos altos para os alunos.
No dia seguinte, são feitas avaliação dos resultados, discussão e, em seguida, há uma videoconferência que reúne as escolas de diferentes lugares do mundo com os cientistas que estão fisicamente no Cern. “Todos se conectam na mesma hora para trocar ideias sobre o que cada um fez, e os alunos também têm um tempo para fazer perguntas para os pesquisadores”, diz Marcelo Munhoz, professor do IF e coordenador do grupo que é braço brasileiro do Alice. “A videoconferência é uma amostra da nossa rotina, porque usamos bastante este recurso para discutir com os colegas dos outros países.”
Resultados
Segundo Marisilvia, a experiência como um todo tem sido bastante positiva. “Eles adoram participar. Mesmo alunos de escolas públicas, menos privilegiados em aspectos como o inglês, se comunicam, trazem as perguntas preparadas para a videoconferência e leem, interagem, pedem para repetir se não entendem”, relata. Tudo isso, apesar de outros percalços. “Sabemos de alunos que vêm de muito longe e se encontram no ponto de ônibus às cinco da manhã para chegar aqui às 10 horas”, conta a pesquisadora. Marcelo Munhoz concorda: “Em geral, se você tirar o aluno da escola e levar para qualquer lugar, ele vai adorar porque saiu da escola, né (risos)? Mas há sim uma aceitação muito grande. Sempre nos surpreendemos com a curiosidade dos alunos, como entendem rápido e conseguem fazer o que é proposto”.
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“Sempre me interessei por ciências, mas aqui é bem diferente da escola, que só tem mesa, lousa, no máximo um laboratório… É muito legal vir aqui e ver toda uma estrutura para estudar ciência”, diz Luiza Rufino, aluna do Colégio Humboldt, na região de Interlagos, na capital paulista, que participou da última edição do evento.
Como professor de física de Luiza, Francisco Viana vê também outros benefícios. “Aspectos fundamentais sobre o ato de fazer ciência são vivenciados, como trabalhar com dados que são abertos para as comunidades científicas, discutir os resultados em colaboração. Fui aluno aqui no IF e só comecei a entender essas dinâmicas no final do primeiro ano do curso.” Para ele, também chama atenção o crescente número de meninas que está se aproximando das ciências da natureza. “Nosso grupo, por exemplo, foi composto de exatamente 50% de meninas”, diz, lembrando que o curso de Física ainda tem muito mais alunos que alunas.
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Também no evento, o aluno da Nossa Senhora das Graças, escola do Itaim Bibi, em São Paulo, Pedro Camargo conta que “foi muito impactante” quando começou a aprender mais sobre a física de partículas e como funciona um acelerador: “Parecia algo de outro mundo.” Sua colega de sala Majoí Costa diz que “não tinha ideia das coisas que se faziam aqui, nem da dimensão da USP e dos laboratórios – estou impressionada”. Para o professor de física destes alunos, além do potencial didático, o evento no IF ajuda a sedimentar este fascínio: “Os responsáveis tomam bastante cuidado na seleção de imagens, vídeos e até na forma de apresentação dos conceitos para que os alunos consigam acompanhar as atividades desta que é uma das mais fascinantes áreas de pesquisa da física”, diz Renan Milnitsky.
Marcelo Munhoz ressalva porém que, por ser uma atividade rápida, não há nenhuma expectativa de que o aluno saia dela sabendo muito de física de partículas. Mas é uma oportunidade única para um primeiro contato com a pesquisa e os pesquisadores. “Muitos deles nunca viram a Universidade, e podem conhecer um pouco sobre como se faz ciência atualmente, que não é aquela coisa do ‘cientista louco’ fazendo as coisas sozinho no laboratório. A ciência hoje é um empreendimento internacional, que envolve milhares de pessoas conversando, colaborando.”
Para Marisilvia, o objetivo da atividade, antes de tudo, é derrubar o mito que os alunos carregam de que “tudo que acontece no Cern está muito longe da minha realidade”. “Alguns vêm comentar no final o interesse de entrar para uma carreira científica, perguntar como é isso no Brasil, se é muito difícil.” Neste caso, diz ela, a verdade precisa ser revelada sem nenhum romantismo: “Só fazemos porque adoramos o que fazemos, não é um caminho de rosas”, adverte.
Detector de raios cósmicos
Buscando ampliar a efetividade de práticas de extensão como a masterclass, os pesquisadores desenvolveram uma sequência didática para os professores aplicarem nas escolas antes de levarem os alunos aos laboratórios. Marcelo Munhoz e sua equipe também estão criando um curso a distância sobre física de partículas para os professores terem subsídios para abordar o assunto em sala de aula.
Já o grupo de Marco Leite, professor do IF que coordena a pesquisa brasileira do Atlas, trabalha no desenvolvimento de um sensor de raios cósmicos para escolas. A ideia do equipamento é ser o mais simples, seguro e barato possível, com uma dimensão reduzida, para facilitar sua colocação em diversas escolas.
Em essência, o dispositivo é um plástico que é atingido por partículas que vêm do espaço chamadas de raios cósmicos. Muitos experimentos científicos já estudam essas partículas extremamente energéticas – a energia delas é muito maior que a do LHC, por exemplo. “A incógnita é de onde vem essas partículas que estão bombardeando a gente o tempo todo? Como elas conseguem adquirir tanta energia no vazio do espaço?”, diz Marcelo Munhoz.
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