Neste episódio do Mulheres e Justiça a professora Fabiana Severi conversa com a advogada Luanna Tomaz de Souza, professora, pesquisadora e coordenadora da Clínica de Atenção à Violência (CAV) da Universidade Federal do Pará (UFPA). Luanna conta sobre a reescrita do caso de uma estrangeira atendida pela Clínica de Atenção à Violência. Essa mulher já vivia há quatro anos no Brasil, alegando situação de violência no seu país de origem. Mesmo assim, sem ser ouvida, teve sua prisão decretada e seus filhos enviados de volta ao seu país.
A pesquisadora diz que a escolha por esse caso se deu em função da mulher ter sido atendida pela Clínica de Atenção à Violência e por isso o grupo ter uma relação mais direta com sua situação. A mulher teve, não só a prisão e extradição decretadas, diz a pesquisadora, mas também a busca e apreensão dos filhos, que foram enviados ao país de origem, sem ser ouvida, sem um laudo psicológico ou laudo social acerca da situação de violência vivenciada por ela e pelas crianças, mesmo já estando há quatro anos no Brasil e as crianças estudando e tendo laços. “Esse caso reforça uma visão muito conservadora e misógina sobre a maternidade e que inviabiliza as situações de violência retratadas.”
Na reescrita sob a perspectiva jurídico-feminista deste caso, segundo Luanna, o grupo trabalhou a partir da própria lógica da Clínica de Atenção à Violência, a multidisciplinaridade. Além da perspectiva feminista, foram consideradas diversas áreas de conhecimento, como da psicologia e a jurídica, por exemplo. Nos aspectos jurídicos foram consideradas as Convenções de Haia, da Criança, de Combate à Discriminação contra as Mulheres e também aspectos como, por exemplo, da garantia dos direitos fundamentais, como do contraditório, de ampla defesa, que foi negado e, ainda, o debate sobre maternidade e alienação.
Sobre os resultados, Luana diz que a decisão traz uma reflexão sobre os limites do processo decisório, o quanto ele pode repercutir esses estereótipos e essas perspectivas limitadas e misóginas acerca das mulheres e podem ter impactos severos na vida dessas pessoas. “A reescrita traz também um aprendizado de novos processos com uma perspectiva mais multidisciplinar, mais colaborativa e comprometida com a defesa dos direitos das mulheres, o que assegura, por exemplo, o recente protocolo do Conselho Nacional de Justiça, ao determinar que uma decisão judicial deve considerar a perspectiva de gênero.”
A Clínica de Atenção à Violência (CAV) é um projeto do Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Pará (UFPA), funciona desde 2016 em parceria com a Faculdade de Direito e com o Núcleo de Estudos Interdisciplinares Sobre Violência na Amazônia (NEIVA). O projeto tem como foco o enfrentamento às diversas formas de violência, inclusive proporcionando atendimento jurídico e psicossocial às pessoas em situação de violência.
A série Mulheres e Justiça faz parte do projeto Reescrevendo Decisões Judiciais em Perspectivas Femininas, uma rede colaborativa de acadêmicas e juristas brasileiras de todas as regiões do País que se presta a reescrever decisões judiciais a partir de um olhar feminista.
A série Mulheres e Justiça tem produção e apresentação da professora Fabiana Severi, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, e das jornalistas Rosemeire Talamone e Cinderela Caldeira - |