No episódio da série Mulheres e Justiça desta semana, a professora Fabiana Severi conversa com Fernanda Emy Matsuda, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora do Observatório da Violência contra as Mulheres do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Universidade.
Fernanda conta sobre a reescrita de um caso que discutia a vaga em escola em período integral e que levanta um problema estrutural que atinge as mulheres, a desigualdade na divisão de tarefas de cuidado com os filhos, já que, na ausência de uma rede de apoio, resta à mãe a responsabilidade no contraturno da escola.
Uma pesquisa realizada em 2021 pelo Infojobs, intitulada O Mercado de Trabalho para as Mulheres, mostra que 85,6% das entrevistadas afirmaram enfrentar a dupla jornada, considerando, neste caso, o trabalho no mercado e as atividades domésticas e com os filhos. Os dados embasam a importância da decisão pela reescrita deste caso na luta para atenuar a desigualdade entre homens e mulheres.
A reescrita partiu de um acórdão do Tribunal da Justiça do Estado de São Paulo, que examinou a decisão proferida em mandado de segurança, que pedia a matrícula de uma criança de 7 anos, estudante do ensino fundamental da rede municipal, em período integral. Ao negar a vaga, apesar da decisão estar de acordo com a lei, já que o poder público municipal não teria a obrigação de oferecer a vaga requerida em razão da idade da criança, a neutralidade na aplicação do dispositivo legal oculta a dificuldade que a mulher encontra em entrar e se manter no mercado de trabalho por questões estruturais.
“Ao negar a vaga em período integral para a criança, a Justiça viola o direito da mãe de exercer sua atividade profissional em pé de igualdade com outras pessoas, as quais não se exige tarefas de cuidado, em geral homens”, comenta Fernanda.
A reescrita da decisão partiu dos ensinamentos de Katharine Bartlett, antropóloga física americana, que propõe que a pergunta seja feita pela mulher. “Nós nos perguntamos se a mulher foi considerada na decisão e se não, como seria possível corrigir esse erro”, esclarece a professora da Unifesp. A necessidade da mulher de trabalhar, neste caso, foi encoberta pela discussão sobre o direito à educação da criança; mas ao mudar o eixo da pergunta, é possível debater formas de garantir às mulheres uma rede de apoio centrada na escola, garantido o direito de trabalho de forma plena.
Para a pesquisadora, que trabalhou em conjunto com mais seis mulheres docentes do curso de Direito da Unifesp, a reescrita do caso pela perspectiva feminista oferece uma decisão mais condizente com a realidade da família, da criança e sobretudo da mãe, mulher e trabalhadora.
Com a reformulação, é possível impedir que a responsabilidade pelas tarefas de cuidado recaia apenas sobre a mãe e exige a presença do Estado no fornecimento da assistência necessária. “A interpretação alternativa propôs o deslocamento da questão individual trazida pelo mandado de segurança para o problema estrutural da desigualdade entre homens e mulheres”, finaliza Fernanda.
A série Mulheres e Justiça faz parte do projeto Reescrevendo Decisões Judiciais em Perspectivas Femininas, uma rede colaborativa de acadêmicas e juristas brasileiras de todas as regiões do País que se presta a reescrever decisões judiciais a partir de um olhar feminista.
A série Mulheres e Justiça tem produção e apresentação da professora Fabiana Severi da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, e das jornalistas Rosemeire Talamone e Cinderela Caldeira – Apoio: acadêmicas Juliana Cristina Barbosa Silveira e Sarah Beatriz Mota dos Santos-FDRP. Apresentação toda quinta-feira no Jornal da USP no Ar 1ª Edição, às 7h30, com reapresentação às 15h, na Rádio USP São Paulo 93,7MHz e na Rádio USP Ribeirão Preto 107,9 MHz, a partir das 12h, ou pelo site www.jornal.usp.br. |