Abaixo-assinado quer rever empréstimo consignado para o Auxílio Brasil

O documento é uma iniciativa da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e da Faculdade de Direito (RP), entre outras entidades, e se refere à lei que permite ao usuário comprometer até 40% do benefício, prevista para entrar em vigor em setembro

 30/08/2022 - Publicado há 2 anos
Fotomontagem com imagem de Flickr por Adrielly Kilryann/Jornal da USP
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A Lei 14.431/22, recentemente aprovada pelo Congresso Nacional, permite que as mais de 20 milhões de famílias no País, que recebem o Auxílio Brasil de R$ 600 por mês ou outros benefícios, possam ter acesso ao crédito consignado. A medida recebeu críticas de entidades de defesa do consumidor, que entendem que é preciso mais estudos sobre o impacto do empréstimo consignado para uma população extremamente vulnerável do ponto de vista socioeconômico. Um abaixo-assinado pedindo o adiamento da medida, prevista para entrar em vigor em setembro, está circulando na internet e será entregue às autoridades.

Maria Paula Bertran – Foto: Reprodução/YouTube

Para a professora Maria Paula Bertran, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, uma das autoras da Nota em Defesa da Integridade Econômica da População Vulnerável, é necessário o adiamento da medida. “Antes de liberar o acesso ao crédito, precisam ser feitos mais estudos em três áreas.” A primeira, diz a professora, sobre economia comportamental, uma vez que as pessoas preferem ter menos de alguma coisa num curto período do que mais a longo prazo. “O resultado imediato é a opção da maior parte da população. Para a professora, isso causa consequências de comprometimento e bem-estar graves.” 

O segundo estudo é necessário, segundo a professora, para entender a adequação de oferta de crédito e pagamento de juros em um dinheiro que é “pensado”. A lei permite comprometer até 40% do valor do benefício e quem optar pela modalidade pode ter desconto automático das parcelas no valor máximo de R$ 240 mensais. “O benefício ajuda uma parcela de pessoas em vulnerabilidade alta em um momento de hiperinflação, de consequências econômicas da covid”, argumenta. Mas a professora questiona: “O Brasil está oferecendo esse crédito para que as pessoas sobrevivam ainda sob os impactos da pandemia ou se endividem e prejudiquem o acesso aos seus próprios recursos na condução de suas vidas nos próximos meses?”. 

A terceira área de estudos seria identificar as alternativas de microcrédito ao consignado. Ela acredita ser fundamental a assessoria e suporte às pessoas vulneráveis antes da concessão do crédito. “Nós pedimos a dilação da possibilidade do empréstimo consignado sobre o Auxílio Brasil, inclusive para que seja instituída alguma forma de assessoria ou suporte à população.” 

Oferecimento de crédito

A professora diz que, no momento, o que existe são desserviços para a tomada de crédito. Para ela, há uma insistência recorrente das empresas que pleiteiam a oferta do crédito. Nada menos do que 17 instituições financeiras estão oferecendo o crédito consignado a essa parcela da população. Mas ela ressalta que as grandes instituições financeiras que atuam no mercado afirmaram publicamente que não vão oferecer o crédito consignado, por considerarem que envolve uma população extremamente vulnerável. “Há referências de preenchimentos de cadastros para que os créditos sobre o Auxílio Brasil sejam liberados imediatamente, com a regulamentação e o abusivo argumento de que eventuais desistentes terão que pagar uma taxa”, afirma.

A preocupação da professora se sustenta em dados que evidenciam o endividamento excessivo da população. Segundo a Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 77,7% dessas famílias estão com algum tipo de dívida, como prestação de carros, casa, cartão de crédito, cheques, entre outros.

Iara Ribeiro – Foto: Reprodução/FD-USP

A professora Iara Ribeiro, também da FDRP, é coordenadora do Programa de Apoio ao Endividado (PAE-FDRP), um serviço de extensão criado na unidade de ensino para orientar pessoas a se prevenirem contra endividamentos e acolher pessoas que têm dificuldades em quitar seus débitos a se planejarem financeiramente. Para ela, o problema não é a oferta de crédito, mas sim o público a que se destina. “Essa é uma população que não tem conseguido alimentos básicos, de pessoas que brigam às vezes no lixo por conta de comida, que está voltando a cozinhar com carvão, porque não consegue pagar o gás, que tem consumido velas porque não consegue pagar energia elétrica”, diz Iara. 

A professora Maria Paula destaca, entretanto, que ninguém é contra o acesso das pessoas ao crédito, “mas, neste momento, a melhor política pública indica que os beneficiários do Auxílio Brasil usem esses recursos para se alimentar bem”, finaliza Maria Paula. 

O abaixo-assinado Nota em Defesa da Integridade Econômica da População Vulnerável é uma iniciativa da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), da FDRP, da PAE-FDRP, entre outros. Pode ser acessado em https://www.defesadosvulneraveis.com/.

Por: Ferraz Junior e Rubens Avelar


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