
Em meio a um mundo contemporâneo influenciado por um intenso processo de globalização, a geopolítica e as relações internacionais são marcadas por diversos fatores e acordos, explícitos ou não, que entremeiam e definem as relações econômicas e políticas entre os territórios. Dentre estes, as tarifas alfandegárias enquadram-se como decisivos marcadores econômicos que regulamentam e estabelecem trocas e relações internacionais, atuando inclusive como estratégias políticas e de regulação econômica.
Tarifas alfandegárias, também conhecidas como tarifas de importação ou direitos aduaneiros, são tributos impostos à entrada e saída de bens importados e exportados de um país. Elas são regulamentadas de acordo com a legislação nacional interna, concentrando-se em torno de suas prioridades econômicas e políticas, enquanto decidida pelos respectivos governos de cada Estado e seus setores técnicos e econômicos, que as movimentam através de atos executivos ou pacotes.

Segundo Romeu Bonk, pesquisador do Centro de Estudos das Negociações Internacionais (Caeni) da Universidade de São Paulo, as tarifas alfandegárias são técnicas protecionistas que visam a aumentar o preço do produto e reduzir o comércio internacional, enquanto favorecem o mercado nacional. “O efeito primário da tarifa é aumentar o preço do produto quando ele entra dentro do mercado e está importando aquele produto. Esse é o efeito da tarifa, ela aumenta o preço. Agora, a razão pela qual o governo obtém uma tarifa, ou uma série, um pacote de tarifas, pode variar muito de governo para governo, de época para época e de setor para setor”, explica.
Efeitos
As tarifas são instrumentos essencialmente protecionistas, ou seja, protegem a economia e os produtos nacionais daqueles que vêm de fora do país e, além do aumento do preço da mercadoria e da redução do comércio, as tarifas alfandegárias desempenham uma infinidade de benefícios e impactos à economia. São responsáveis por uma arrecadação da Receita Federal que contribui como fonte adicional à receita pública, custeando os gastos de transporte, manuseio e armazenamento de mercadorias, por exemplo.
Elas também funcionam como incentivo à indústria nacional, pois, assim como explicado por Bonk, ao taxar produtos estrangeiros o governo aumenta seu preço, incentivando um espaço competitivo que fará a população comprar produtos nacionais. “Então, se eu produzo no Brasil um bem, que eu só consigo vender a R$ 15, mas a China produz e consegue vender a R$ 10, nenhum consumidor vai comprar o meu produto, porque os agentes fazem uma escolha racional pelo menor preço. A partir do momento que importa aquela tarifa e que equipara o preço do produto importado com o produto nacional, o consumidor passa a ser indiferente entre comprar o meu produto e comprar o produto importado, e aí eu consigo competir.” Com isso, as tarifas regulam o comércio exterior, garantindo um maior controle sobre o volume e tipo de mercadoria que entra no país, evitando a dependência sobre os produtos internacionais, enquanto equilibra a balança comercial, garantindo que haja sempre mais exportações do que importações.

Instrumentalização política
Além dos efeitos econômicos, as tarifas alfandegárias desempenham papéis essenciais como instrumentos geopolíticos nas relações comerciais entre chefes de Estado. Caracterizando-se como valores a serem encarecidos ou diminuídos, governos podem escolher sobre quais produtos e países impor taxas, dificultando sua entrada no país e essa decisão é, muitas vezes, influenciada pelo nível de cordialidade entre as nações. “A tarifa é um instrumento estratégico. Você pode aumentar tarifas com vistas a pressionar ou prejudicar determinada coalizão de países, você reduz a tarifa”, explica Bonk.
Vê-se tal situação, por exemplo, na maneira como o atual presidente eleito norte-americano, Donald Trump, ameaçou impor uma taxa alfandegária de 100% sobre os países do Brics, um grupo de países de economia emergente composto de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, caso substituíssem o dólar por uma nova moeda oficial. A ameaça foi uma estratégia política e, segundo Paulo Feldmann, professor de Economia do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, denota o protecionismo norte-americano e representa o futuro entre os países. “O Donald Trump falou que a palavra mais linda do dicionário é taxação de produtos importados. Claro que ele estava brincando, mas ele deixou muito claro que essa vai ser a principal medida do governo dele (…)E é isso que vai acontecer daqui para a frente. Então, nós estamos em uma situação extremamente difícil no Brasil”, afirma o professor.
Já o contrário vê-se em situações como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e com o Mercosul, organizações entre países cordiais que mantêm taxas alfandegárias mais baixas entre seus membros, facilitando e incentivando o comércio interno entre estes.
Brasil
Para a situação brasileira, o cenário econômico internacional por vezes mostra-se complexo e ameaçador. Isso porque, segundo o professor Bonk, a indústria brasileira desenvolveu-se em meio a um cenário desenvolvimentista, protegendo a indústria nacional para então entrar no cenário internacional competitivo; entretanto, a situação brasileira não ocorreu como o esperado. “O problema é que, no caso histórico brasileiro, só faltou cumprir a última parte. A indústria brasileira nunca se tornou competitiva. Porque o efeito colateral da proteção comercial é uma certa acomodação dos setores produtivos ”, afirma.
Além disso, segundo o professor Feldmann, a indústria brasileira terminou por manter-se unicamente agrícola, o que a impossibilitou de tornar-se independente e autossuficiente no mercado internacional. “Hoje o Brasil virou um paraíso de produtos importados e a gente já não sabe fabricar mais nada. Agora, inclusive, tenta importar, porque não sabemos mais como fabricar celular, computador, carro, produto eletrônico, nada. Tudo é importado. A única coisa que a gente exporta são commodities e produtos agrícolas. Viramos um grande país agrícola novamente.”
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira
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