
“Não há crença, por mais louca que seja, que não junte os seus fiéis seguidores, que hão de defendê-la até a morte.” A frase, escrita por Isaac Asimov na sua coletânea de ensaios sobre ficção científica, The Stars in Their Courses, pode parecer apenas isso, ficção científica, mas o que as últimas eleições evidenciaram é o potencial eleitoral de teorias da conspiração e informações falsas, ou distorcidas, nas redes sociais para pautar o debate público.
Considerando isso, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) apresentou o Projeto de Lei 2630/20, a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na internet, mais conhecida como PL das fake news. A proposta apresenta, além de mecanismos que regulamentam as plataformas de mensagens, redes sociais e ferramentas de busca, a exigência de relatórios periódicos de moderação, a criação de uma sede em território nacional de todas as empresas que desejem funcionar no País e a proibição do disparo em massa de mensagens políticas.
Para Rubens Beçak, professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, mesmo que o PL seja aprovado, ele não deve ser considerado uma lei definitiva, pois assim como a internet muda de tempos em tempos, a legislação brasileira deve mudar também. “Ele não é uma solução, qualquer projeto de lei que você faça são degraus que a gente vai superando na intenção de regulamentar a área e chegar a uma idealidade.”
Projeto em transformação constante
Desde sua criação, o projeto recebeu mais de 150 emendas parlamentares, ou seja, durante seus três anos de existência, o projeto já sofreu mais de 150 alterações, adições ou exclusões de artigos do texto original. Um dos últimos artigos adicionados ao texto, que está em votação no Congresso, é o que garante a “defesa da liberdade de expressão e o impedimento da censura no ambiente on-line”.

Todavia, nem todas as alterações no projeto foram bem-vistas – para Beçak, a exclusão de uma agência regulatória é um duro golpe no projeto. “O que está faltando é algo que existia nas primeiras versões do texto, uma agência reguladora. O relator do projeto, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), disse que quem deve cuidar disso é a Anatel, mas ela cuida e deve cuidar de outras coisas, das telecomunicações. A exclusão de uma agência reguladora focada nisso é algo a se lamentar.”
Além das alterações no texto feitas anteriormente, na última terça-feira (2), a votação do PL das fake news no Congresso Nacional precisou ser adiada, após o relator do projeto, Orlando Silva, receber mais de 90 pedidos de emenda ao texto atual. O relator pediu mais tempo para analisar as emendas e o texto, adiando a sua votação por tempo indeterminado.
Perspectiva internacional sobre o tema
Apesar de um tema e discussão recentes, o Brasil não é o primeiro país a apresentar um projeto de lei que regulamente as redes sociais e outros ambientes digitais. Em 2017, a Alemanha aprovou o Network Enforcement Act (NetzDG), projeto de lei que regulamenta as redes sociais e vem servindo como grande base para o debate e propostas de leis parecidas.
Além da Alemanha, a União Europeia aprovou em 2022 o Digital Services Act (DSA), legislação que classifica as redes sociais com mais de 45 milhões de usuários como plataformas de grande porte que devem seguir uma regulamentação mais restritiva e exigente que as demais empresas.
Como consequência dessas regulamentações, a Legal Group Institute, think tank voltada para o estudo e desenvolvimento de políticas públicas relacionadas à intersecção entre direito e tecnologia, lançou o projeto Observatório Internacional de Regulação Internacional, que conta com a participação de professores e atores de políticas públicas internacionais sobre regulamentação digital.
Após o pedido de adiamento da votação pelo relator do projeto, a proposta seguirá parada até segunda ordem. Segundo Orlando Silva (PCdoB-SP), o projeto ficará em stand by até que os relatores da lei consigam avaliar todas as emendas propostas pelos deputados e reformular o texto para, finalmente, passar pela votação da casa. Até o momento, não existe uma data definida para o projeto ser votado pelo Congresso Nacional.