Pense em um robô. Certamente a sua imaginação associou essa palavra a componentes eletrônicos e metais, mas cientistas norte-americanos mostraram que já é possível programar robôs a partir de células de animais. Chamados de xenobots, esses organismos vivos programáveis foram criados em uma pesquisa pela busca de aplicações na vida moderna, como áreas radioativas, vedadas a seres humanos, recolhimento de microplásticos no mar ou mesmo dentro do organismo humano, desobstruindo artérias.
O estudo mais recente publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences descreve como esses robôs celulares conseguem se autorreplicar, num processo em que os xenobots podem acumular outras centenas de células em novos organoides e, portanto, robôs. Um dos líderes da pesquisa na Universidade de Vermont, Joshua Bongard, comunicou a todos nas primeiras publicações sobre os xenobots que eles “são uma nova classe de artefato: um organismo vivo e programável”.
Eduardo Moraes Rego Reis, professor do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da USP, explica que os xenobots são biorrobôs. “Eles são compostos unicamente de células que, quando cultivadas em meio de cultura, assumem uma estrutura esferoide e isso a gente pode chamar de organoide”, contextualiza. Esses organoides também recebem a nomenclatura de robôs porque podem realizar tarefas.
De acordo com Michel Levin, biólogo da Universidade de Tufts, os xenobots podem ser promissores dentro da medicina regenerativa, área que estuda soluções para lesões, câncer e envelhecimento. “Esse resultado está longe de ser definitivo, mas sinaliza um caminho muito interessante. Mostra o potencial que a gente tem em extrair perguntas e informações da biologia quando se aplica também dados de outras ciências, nesse caso, o da computação”, explica Reis, ao ressaltar a importância que o estudo tem no avanço das áreas da biologia, como a organização tecidual e a relação entre a estrutura e função entre células e órgãos na formação de novas estruturas.
Inteligência Artificial e biologia
Os xenobots recebem esse nome porque são células da pele e de embriões de um sapo de origem africana, o Xenopus laevis, e têm menos de um milímetro de largura. Reis explica que essas células são dotadas de cílios, estrutura que possibilita sua movimentação e que, inicialmente, a replicação desses robôs biológicos não era cogitada. Mas essa perspectiva mudou de acordo com o andamento da pesquisa, na qual, de acordo com Bongard, as células foram colocadas em um novo contexto, onde elas “tinham a chance de reimaginar sua multicelularidade”. Porém, um dos desafios encontrados pelos pesquisadores era o tempo e a quantidade de linhagens que os robôs vivos podiam gerar a partir desse tipo de replicação cinética.
Com a ajuda da Inteligência Artificial, eles testaram milhões de formatos para que as células pudessem se replicar mais e por mais tempo e chegaram à solução: o formato ideal era igual ao personagem do antigo videogame Pac-Man. “Eles utilizaram o modelo teórico, predito pelo computador, e aí se observou que os organoides modificados têm capacidade replicativa três vezes maior que os originais”, explica Reis. De acordo com os pesquisadores, essa aproximação entre a Inteligência Artificial e a biologia molecular pode abrir aplicações tanto para o organismo humano quanto para o meio ambiente. “A Inteligência Artificial está permitindo testar hipóteses plausíveis e que podem ser aplicadas na prática”, destaca Reis.
Sem manipulação genética
Apesar das intervenções da Inteligência Artificial através do supercomputador, não existe manipulação genética nesses organoides. “O interessante é que a informação genética nessa pesquisa tem uma plasticidade, porque ela é importante para compor uma célula, mas em outro contexto ela vira um robô que monta outros robôs”, analisa Reis. Ainda de acordo com ele, o sistema que possibilita a replicação dos xenobots é totalmente dependente da intervenção humana. “Sem ela esse sistema morre”, explica.
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