A Sociedade Brasileira de Infectologia distribuiu um informe, atualizado neste dia 12 de março, sobre o novo coronavírus, em que analisa a evolução da epidemia e alinha orientações para o comportamento da população e de profissionais de saúde.
O Jornal da USP reproduz abaixo a íntegra do texto, por julgá-lo altamente oportuno e elucidativo no atual momento.
“Ontem, 11 de março de 2020, a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou que a COVID-19, nova doença causada pelo novo coronavírus (denominado SARS-CoV-2), é uma pandemia. Isto já era esperado, pois, há algumas semanas, esta nova doença viral já havia se espalhado pelo mundo, atingindo os 5 continentes. O momento da epidemia no Brasil é de prudência; não de pânico. A epidemia é dinâmica e as informações e recomendações deste informe podem ser atualizadas em poucos dias, à medida que a epidemia aumente e que novos conhecimentos científicos são publicados. A capacidade de contágio (R0), que é o número médio de “contagiados” por cada pessoa doente, do novo coronavírus (SARS-CoV-2) é de 2,74, ou seja, uma pessoa doente com a COVID-19 transmite o vírus, em média, a outras 2,74 pessoas. Comparativamente, na pandemia de influenza H1N1 em 2009, esta taxa foi de 1,5 e no sarampo é em torno de 15. As medidas preventivas mais eficazes para reduzir a capacidade de contágio do novo coronavírus são: “etiqueta respiratória”; higienização, com água e sabão ou álcool gel a 70%, frequente das mãos; identificação e isolamento respiratório dos acometidos pela COVID-19 e uso dos EPIs (equipamentos de proteção individual) pelos profissionais de saúde. O período de incubação, ou seja, o tempo entre o dia do contato com o paciente doente e o início dos sintomas, é, em média, de 5 dias para a COVID-19. Em raros casos, o período de incubação chegou a 14 dias. Aproximadamente 80 a 85% dos casos são leves e não necessitam hospitalização, devendo permanecer em isolamento respiratório domiciliar; 15% necessitam internamento hospitalar fora da unidade de terapia intensiva (UTI) e menos de 5% precisam de suporte intensivo. Recomendamos NÃO colher swab nasal para pesquisa de SARS-CoV-2 de pessoas sem sintomas respiratórios (pessoas assintomáticas), exceto em pesquisa clínica. A detecção viral de RNA por reação em cadeia da polimerase (PCR) em secreção respiratória, método usado para o seu diagnóstico, pode não representar necessariamente infecção com potencial de transmissão e, provavelmente, tem pouca importância epidemiológica de transmissão. Provavelmente os primeiros 3 a 5 dias de início dos sintomas são os de maior transmissibilidade. Por isso, casos suspeitos devem ficar em isolamento respiratório, desde o primeiro dia de sintomas, até serem descartados. Neste momento da epidemia no Brasil não está recomendado fechar escolas ou faculdades ou escritórios. O fechamento de escolas pode levar várias famílias a terem que deixar seus filhos com seus avós, pois seus pais trabalham. Nas crianças, a COVID-19 tem se apresentado de forma leve e a letalidade é próximo a zero; já no idoso, a letalidade aumenta muito. No idoso com mais de 80 anos e comorbidades, a letalidade é em torno de 15%. Portanto o fechamento de escolas em cidades em que os casos são importados ou a transmissão é local (ver definições no fim deste informe) pode ser prejudicial para a sociedade! Esta orientação é dinâmica, podendo ser modificada, conforme a evolução da epidemia, particularmente nas cidades e estados em que a epidemia evoluir para transmissão comunitária. Profissionais de saúde devem utilizar equipamentos de proteção individual (EPI) para precaução de gotículas em atendimento de pacientes suspeitos ou confirmados de infecção pelo novo coronavírus (COVID-19). São eles: máscara cirúrgica, avental e luvas descartáveis e protetor facial ou óculos. Nos procedimentos que podem gerar aerossol (como coleta de swab nasal, broncoscopia, aspiração de paciente intubado), a máscara cirúrgica deverá ser substituída por máscara N95 ou PFF2. Nas UTIs com leitos de coorte para COVID-19, utilizar máscara N95 ou PFF2 durante todo o plantão. A Sociedade Brasileira de Infectologia recomenda que nenhuma medicação, como lopinavir-ritonavir, cloroquina, interferon, vitamina C, corticoide, etc, seja usada para tratamento de pacientes com COVID-19 até que tenhamos evidência científica de sua eficácia e segurança. Algumas delas, como o corticoide, já demonstraram que podem piorar a evolução de outras viroses respiratórias, como na gripe. Esta recomendação pode mudar à luz de novos conhecimentos científicos, especialmente porque vários estudos clínicos estão em andamento. O remdesivir, que há estudo clínico em andamento fora do Brasil; é administrado por via endovenosa e cuja molécula é próxima da TAF (tenofovir alafenamida), antirretroviral usado nos EUA para pessoas vivendo com HIV, parece ser o antiviral com maior potencial de benefício para a COVID-19 e efeitos colaterais aceitáveis. Devemos lembrar de um dos princípios éticos da Medicina, que em latim é PRIMUM NON NOCERE, ou seja, primeiro não causar dano ao paciente. Só estudos clínicos permitirão avaliar a eficácia e segurança de qualquer medicação. A epidemia é dinâmica e o Brasil é um país “continental”. Diferentes cidades e estados podem apresentar fases distintas da epidemia. A primeira fase epidemiológica da COVID-19 é de “casos importados”, em que há poucas pessoas acometidas e todas regressaram de países onde há epidemia. A 2ª fase epidemiológica é de transmissão local, quando pessoas que não viajaram para o exterior ficam doentes, ou seja, há transmissão autóctone, mas ainda é possível identificar o paciente que transmitiu o vírus, geralmente parentes ou pessoas de convívio social próximo. E finalmente pode ocorrer a 3ª fase epidemiológica ou de transmissão comunitária, quando o número de casos aumenta exponencialmente e perdemos a capacidade de identificar a fonte ou pessoa transmissora. É possível que algumas cidades brasileiras, com maior probabilidade para ocorrer em São Paulo, seguida do Rio de Janeiro, entrem na fase de transmissão comunitária (3ª fase epidemiológica) nos próximos dias ou poucas semanas. Essas duas cidades são as mais populosas do Brasil e com grande número de viajantes. Ao se identificar a fase inicial de transmissão comunitária, as medidas iniciais mais recomendadas são: estimular o trabalho em horários alternativos em escala; reuniões virtuais; home office; restrição de contato social para pessoas com 60 anos ou mais e que apresentam comorbidades; realizar testes em profissionais de saúde com “síndrome gripal”, mesmo os que não tiveram contato direto com casos confirmados; organizadores devem avaliar a possibilidade de cancelar ou adiar a realização de eventos com muitas pessoas; isolamento respiratório domiciliar de viajante internacional que regressou de país com transmissão comunitária (7 dias de isolamento, se assintomático). Se sintomático, investigar por PCR para coronavírus. Importante ressaltar que essas medidas são para cidades ou regiões com transmissão comunitária. Cidades (ou estados ou o país todo) em que a epidemia na fase de transmissão comunitária continue a evoluir, geralmente passando de 1.000 casos, como está ocorrendo em vários países da Europa (inicialmente na Itália, mas atualmente também na Alemanha, Espanha, França) e em algumas regiões dos EUA, o que pode ocorrer em poucos dias ou poucas semanas, apesar de tomadas as medidas anteriormente mencionadas, devem considerar : fechamento das escolas, faculdades e universidades; interrupção de eventos coletivos, como jogos de futebol e cultos religiosos; fechamento de bares e boates; disponibilização de leitos extras de UTI; pacientes com manifestações clínicas leves devem permanecer em isolamento respiratório domiciliar e não devem mais procurar assistência médica, porque os serviços de saúde estarão sobrecarregados; exames para confirmar o diagnóstico só serão realizados em pacientes hospitalizados; suspensão de cirurgias eletivas. Somente as ações em conjunto da sociedade civil, agentes públicos, sociedades científicas e profissionais de saúde farão com que enfrentemos esta nova epidemia com sucesso, diminuindo a mortalidade principalmente entre os idosos e mitigando as consequências sociais e econômicas”. |
O documento é assinado pelo presidente da entidade, Dr. Clóvis Arns da Cunha e pelo Coordenador Científico, Dr. Sérgio Cimerman, que participaram da elaboração do documento juntamente com o Dr. Leonardo Weissman e o Dr. Alberto Chebabo.