Inseguranças social e trabalhista são ameaças contemporâneas a imigrantes

Segundo Jameson Martins, imigrantes estão sob uma constante retórica de estigmatização, a despeito de sua intensa participação econômica e social

 Publicado: 18/02/2025 às 8:25
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Imagem de imigrantes (três ao todo, duas mulheres adultas e uma menina) venezuelanos carregando suas respectivas bagagens
A deportação, segundo Martins, é uma alternativa extrema, que deve ser aplicada apenas em casos especiais de política migratória – Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Os direitos do refugiado são garantidos pela Convenção de Genebra, responsável pelo Estatuto dos Refugiados de 1951, um tratado internacional no qual a maioria dos países é signatária, que prevê os direitos civis e condições de recepção aos refugiados. Entretanto, apesar de sua existência, o acordo não é capaz de prever a total segurança e qualidade de vida dos imigrantes no mundo contemporâneo, já que muitos são expostos a condições de trabalho desfavoráveis e, se ilegais, a deportações. 

Frente a um mundo globalizado, testemunha da influência de desastres naturais e diversos conflitos armados, é comum que haja uma constante e massiva circulação de imigrantes, que, por motivos diversos, deixam seus países para se deslocarem em direção a outros em busca de refúgio. Suas motivações são diversas e, de acordo com Jameson Martins, doutor pelo Programa em Saúde Global e Sustentabilidade da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e pesquisador das políticas de saúde para imigrantes internacionais na América Latina e União Europeia, elas podem ser tanto socioeconômicas quanto relacionadas à segurança. 

Por um lado, a gente tem as questões de ordem socioeconômica. No sentido de que as pessoas migram em busca de oportunidades, tanto entre os países como dentro dos países mesmo. Um país grande como o Brasil, por exemplo, nós temos esse exemplo claro de pessoas que se deslocam das regiões desfavorecidas economicamente para regiões em que há mais oportunidades de emprego. Nós também temos uma multiplicação de conflitos armados que acabam gerando movimentos massivos de pessoas fugindo dos seus territórios de origem por uma questão de proteção pessoal”, diz Martins. 

Homem branco, jovem, barba e bigode e sorrindo para a câmera
Jameson Vinícius Martins da Silva – Foto: Currículo Lattes

E, em meio a desastres climáticos e armados, existe uma massa de imigrantes irregulares que, por intermédio de aberturas nas fronteiras territoriais ou apoio marítimo, entram ilegalmente em países estrangeiros, como nos Estados Unidos e países da União Europeia, por exemplo. Entretanto, tal ação não é vista com bons olhos pelos governantes protecionistas que, como o novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ordenam a deportação de grande parte destes. 

Deportação

A deportação, segundo Martins, é uma alternativa extrema, que deve ser aplicada apenas em casos especiais de política migratória, prevendo a retirada compulsória do indivíduo daquele país de volta para seu território de origem. “Por mais que haja um fundamento legal para os casos de deportação, nós devemos sempre observar que se trata de um recurso extremo, que não deveria se aplicar de forma generalizada e que, quando isso acontece, geralmente as consequências são bastante catastróficas para todos os envolvidos, inclusive porque esses processos de deportação tendem a violar a dignidade das pessoas, muitas vezes são conduzidos de forma bastante violenta e truculenta por parte dos agentes envolvidos e, mais uma vez, enviam essa mensagem, essa retórica de estigmatização mesmo dessas populações.”

Recentemente, seguindo suas promessas de campanha, Trump ordenou a deportação de 15 milhões de imigrantes irregulares, sendo 38 mil destes brasileiros. O processo foi repleto de críticas internacionais por diversos motivos, pela brutalidade infligida aos imigrantes registrada por alguns agentes do Estado, pelo uso de algemas no processo de transporte e pelo terror que circula agora entre os migrantes que permaneceram no país. 

Consequências

A deportação em massa desses imigrantes, entretanto, não é um processo pontual e gerará uma série de consequências pela intensa participação econômica e social que tais populações desenvolvem na sociedade norte-americana. Entre as consequências sociais, historicamente há um forte preconceito em relação a comunidades latinas e árabes nos Estados Unidos e, segundo Martins, a deportação em massa pode acentuar esse comportamento: “As consequências sociais constituem a estigmatização de famílias e de populações inteiras e, em particular, em populações já discriminadas pelo seu status, pela sua origem, em geral, racializadas, vindas de países mais pobres, particularmente da América Latina”, detalha o pesquisador.

Além dessas, consequências econômicas como déficit de mão de obra poderão ser vistas pelos próximos meses, afinal, imigrantes estruturam grande parte do trabalho laboral dos Estados Unidos. Uma pesquisa, divulgada em julho do ano passado pelo Pew Research Center, revelou que havia cerca de 11 milhões de imigrantes não autorizados vivendo nos Estados Unidos em 2022. E essa população oferecia, segundo os dados, cerca de 8,3 milhões de trabalhadores para a economia norte-americana.

Confinados principalmente aos setores de empregos com situações insalubres, Martins afirma que esse déficit causará uma série de problemas em setores específicos da economia. “Uma boa parte desses imigrantes considerados de baixa qualificação ou indocumentados está em setores que são fundamentais para o funcionamento básico, como construção civil, restaurantes, limpeza e esses serviços, sem a sua mão de obra, vão acabar sofrendo consequências econômicas importantes.”

E não só nacionais e econômicas, mas espera-se que a eleição e ações de Trump tenham alguma influência no mundo político internacional. Algumas já podem ser vistas, como a saída da Argentina da OMS (Organização Mundial da Saúde), ação realizada pelo presidente ultraliberal, Javier Milei, aliado de Trump. E outras poderão ter prosseguimento nas próximas eleições. “Essa política de deportação massiva dos Estados Unidos pode ser a inspiração, infelizmente, para outros movimentos e partidos políticos relacionados a essa questão da deportação. Como a Alemanha, por exemplo, que deve ir às eleições ainda este mês, ou em diversos outros países que também têm uma população imigrante importante”, explica Martins.


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atualização em 18/2 às 14h11


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